Instituto de Combate ao Enfarte do Miocárdio

 

 

 

Livro: Teoria Miogênica do Enfarte Miocárdico - Parte 2; Mesquita, QH de

 

ÍNDICE

 

Cardiotônico no Enfarte Agudo do Miocárdio e Coronariopatia Crônica

 

O papel do cardiotônico no enfarte agudo deve ser enfocado, em primeiro lugar, do ponto de vista experimental (54-56), porque o difundido temor existente quanto a seu emprego, adveio do conceito de que o cardiotônico administrado no miocárdio agudamente isquêmico, seria responsável pelo aumento da contratilidade, do consumo de oxigênio e poderia desenvolver como conseqüência imediata o aumento da extensão do enfarte.

 

Outros aspectos que parecem obstar o seu emprego, são os preconceitos de atuar como arritmogênico e propiciar a ruptura cardíaca.

 

Além disso, predominava na experimentação em animal um critério subjetivo quanto ao significado do mapeamento eletrocardiográfico epicárdico, sobre o comportamento do segmento RS-T, com o objetivo de se predizer a gravidade da isquemia miocárdica e dano resultante, através do grau de desnivelamento do referido segmento e sua acentuação nos digitalizados sem insuficiência cardíaca. Entretanto, recentes estudos (57-59) sobre o comportamento da condição contrátil da parede ventricular - zonas isquêmica central, intermediária e não isquêmica - em processo isquêmico agudo, desenvolvido pela técnica habitual de ligadura coronária e submetidas a ação do cardiotônico - digital ou estrofantina - põem em dúvida a validade dos antigos trabalhos experimentais, principalmente daqueles que destacam a importância diagnóstica e prognóstica do mapeamento eletrocardiográfico epicárdico.

 

Verificaram que o cardiotônico aumentava a contratilidade da zona intermediária - borda do enfarte indicando que o miocárdio isquêmico retém a capacidade de responder aos estímulos inotrópicos positivos dos glucosídeos cardíacos. Além disso (60), observaram aumento do fluxo coronário e melhora da função ventricular e particularmente a diminuição da elevação do segmento RS-T com o emprego da Estrofantina-G. Esta nova técnica experimental (57-59) mais direta na avaliação da resposta da parede ventricular isquêmica, parece-nos mais objetiva e deve expressar com mais fidelidade a resposta farmacológica, indicando principalmente a necessidade de uma reavaliação dos conceitos antigos que devem ser provados ou abandonados definitivamente.

 

Em segundo lugar, o emprego do cardiotônico no modelo humano do enfarte miocárdico (4,61-72) constitui a experiência clínica que vem sempre ressalvada como administração de droga carente de suporte experimental; mas, no entanto, sempre registrando resultados que têm surpreendido àqueles que procuraram verificar seus efeitos no enfarte agudo do miocárdio, sem insuficiência cardíaca. Uso meramente de caráter especulativo, uma vez que todos autores não se envolviam em qualquer circunstância contestatória quanto ao mecanismo fisiopatológico do enfarte agudo e acatavam o conceito da trombose coronária como causa do enfarte; mesmo assim, forneceram subsídios importantes ao estudo que estamos procedendo.

 

Por outro lado, desprovidas de qualquer valor intrínseco, deparamo-nos com referências recentes e antigas, que não oferecem contribuição própria e apenas fazem coro aos preconceitos antigos do grande temor em aumentar o risco de provocarem arritmias graves, ruptura cardíaca e aumentarem o tamanho do enfarte, engrossam o número daqueles que comodamente só preconizam o cardiotônico na insuficiência cardíaca e taquiarritmias atriais.

 

Da revisão bibliográfica levada a efeito (4, 61-72), não encontramos qualquer referência sobre agravamento do enfarte humano tratado pelo cardiotônico. Portanto, toda resistência observada ainda agora, pode ser considerada como fruto de desatualização ou então arraigada fidelidade ao arcaico preconceito desenvolvido pela experimentação em animal e suas implicações clínicas extrapoladas para o homem. Por isso, achamos de bom alvitre fazer a seguir uma apresentação pormenorizada a respeito da evolução histórica do cardiotônico no enfarte, desde o trabalho pioneiro de Herrick (4) até nossos dias.

 

Previamente, devemos justificar o seu emprego como uma conseqüência natural do nosso conceito fisiopatológico, com ênfase especial declaramo-nos convictos de que o modelo humano do enfarte agudo do miocárdio, não corresponde ao modelo experimental, em que a necrose é conseqüência imediata do bloqueio arterial coronário. Na Teoria Miogênica a falência miocárdica regional - precursora da necrose miocárdica primária - está a exigir o emprego do cardiotônico.

 

Herrick foi o primeiro a empregar o cardiotônico - estrofanto ou digital - no enfarte agudo do miocárdio e referiu a sua experiência clínica com grande entusiasmo; aparentemente, essa indicação parecia ser decorrente do grande valor do cardiotônico na angina do peito, principalmente nos casos portadores de hipotensão arterial. Acreditava que o emprego oportuno do cardiotônico em tais casos, seria providencial e referia rápidos resultados com a administração por via hipodérmica ou endovenosa.

 

Ao mesmo tempo em que fazia apologia do cardiotônico no enfarte agudo do miocárdio, preconizava o enfarte como decorrente da trombose coronária. Este mecanismo, além de lógico, representava fisiopatologicamente causa e efeito e passou a ser reproduzido experimentalmente, consolidando-se rapidamente. Entretanto, o procedimento experimental ao reforçar o mecanismo fisiopatológico de Herrick, dava origem à controvérsia quanto ao verdadeiro papel do cardiotônico no modelo humano do enfarte agudo, uma vez que ganhava consistência a sugestão de que o cardiotônico, aumentando a contratilidade miocárdica, acarretaria maior consumo de oxigênio e por isso se apresentaria como danoso, porque a região afetada pela isquemia, sem outras fontes de suprimento sangüíneo e obviamente de oxigênio, tenderia a aumentar em extensão, além de sua ação arritmogênica direta sobre o miocárdio isquêmico.

 

Cronologicamente, em segundo lugar, registramos o trabalho de Hamman (61) sobre o emprego do cardiotônico no enfarte miocárdico, participando dos conceitos de Herrick, preconizava o repouso como valiosa medida terapêutica, morfina e a imediata digitalização, segundo o método de Eggleston, que prepararia o coração para fazer face as arritmias e suportar os esforços.

 

Tal conduta, dentro do espírito da ortodoxia cardiológica, representaria risco desnecessário por falta de suporte experimental; a nosso ver, faltava conceito fisiopatológico para emprestar mais força aos resultados. Todavia, muito tempo depois daqueles pioneiros, a experiência clinica de Edens (62) com a Estrofantina, administrada por via endovenosa, antes, durante e após o enfarte agudo do miocárdio, só foi interrompida por sua morte, em 1944, mas os resultados eram válidos e coincidentes com os que se seguem.

 

Schemm (63), fugindo as regras das conjecturas teóricas, preconizava a conveniência do emprego mais livre da Digital, na vigência do enfarte agudo do miocárdio, sugerida pelo fato de que quase 2/3 dos pacientes que sobrevivem ao enfarte, desenvolvem insuficiência cardíaca congestiva durante o tempo de hospitalização ou logo após a alta. Ainda mais, segundo a história clínica dos pacientes. considerável número destes já tem insuficiência cardíaca no início do enfarte. Na ausência de sinais de insuficiência cardíaca congestiva, não hesitava em usar Digital, quando o pulso era mais rápido e fraco ou pulso irregular e dispnéia persistiam, não aliviados por oxigênio nem por morfina. Administrava Digital. vagarosa ou rapidamente, por boca ou se necessário por via endovenosa, como faria na insuficiência cardíaca comum sem complicações. A ação da droga sobre a porção não necrótica do miocárdio, parecia levar a nítida melhora e poderia por antecipação prevenir não apenas a insuficiência cardíaca, mas também o desenvolvimento de distúrbios do ritmo.

 

Administrou Digital a 265 pacientes com enfarte miocárdico e registrou mortalidade de 10%; um grupo de controle de 286 pacientes, sem Digital, teve mortalidade de 16%. De prático, observa-se que ao invés de dano miocárdico, o cardiotônico mostrou-se compatível com o enfarte agudo, motivo de benéficos efeitos e menor mortalidade.

 

Askey (64), refere sua experiência clínica praticada com Digital a partir da 1ª semana de hospitalização, administrando Digitoxina 0,2 mg 3 x dia durante 2 dias e em seguida 1 x dia durante o restante da hospitalização, inferior a 4 semanas. A nosso ver, este intervalo de 1 semana para iniciar o tratamento digitálico, poderia dar oportunidade a efetivação da trombose coronária secundária e por isso, o seu emprego dessa maneira não nos pareceria muito aconselhável, porque poderíamos estar frente às condições geralmente desenvolvidas na experimentação; contudo, não devemos esquecer de que os processos de enfarte agudo, abandonados à própria sorte não registraram trombose coronária secundária obrigatória.

 

O objetivo de Askey era avaliar os efeitos da Digital sobre o número de mortes, de mortes súbitas e a freqüência de distúrbios do ritmo. Observou que a incidência de extrassistoles nos casos tratados era menor que no grupo de controle. Em 50 pacientes com enfarte agudo, a Digital em doses eficazes não desenvolveu qualquer ritmo ventricular perigoso e a incidência de morte não era diferente nos 2 grupos.

 

Acrescenta ainda que o exato momento para o uso da Digital necessita ser encontrado, acha questionáveis os resultados derivados das experiências em animais com coronárias e corações normais; bem como, se os resultados poderiam ser extrapolados para o homem, sem maiores considerações críticas. Acha discutível que as experiências em animais possam responder adequadamente às dúvidas suscitadas e solucionar os problemas com que se deparam os clínicos. Acha, em última análise, que dados significativos deveriam ser logicamente obtidos através da observação do efeito da Digital sobre o homem que tem sofrido espontaneamente o enfarte miocárdico.

 

Admitia Askey ser justificado o uso de Digital no enfarte agudo com mais liberalidade, até que se realizassem estudos mais completos, ao invés de permanecerem com a indicação restrita ao tratamento da insuficiência cardíaca congestiva, melhor seria que se procurasse evitar a insuficiência cardíaca. Citando o trabalho de Schemm, desabafa, dizendo acreditar que a profissão médica tem sido incapaz de propiciar as vantagens desta valiosa droga e fornece o pensamento de Thoreau: nunca é tarde demais para se abandonar nossas falhas; nenhuma linha de pensamento, por mais antiga que seja, deve ser confiada sem prova. Isto Askey afirmava, depois de apresentar seus resultados e de apreciar os trabalhos clínicos e experimentais da época, demonstrando sadia inquietação frente à acomodação e desinteresse por tão palpitante assunto, que ainda agora persiste.

 

Boyer (65), cita uma experiência acidental com o emprego de Lanatosideo-C, por via endovenosa, partindo da dose de 1,2 mg e depois, com 0,4 mg cada 4 horas, dentro de poucas horas totalizava a dosagem de 3,6 mg, seguida de recuperação do portador de enfarte agudo extenso e em más condições físicas (taquicardia sinusal, queda progressiva da pressão arterial, palidez, sudorese e estertores de base). Assinala Boyer que, após esta inesperada e providencial experiência, cessaram os seus receios sobre o emprego da Digital e desde então a tem empregado livremente, sem qualquer efeito nocivo atribuível à droga. Em uma série de 50 pacientes consecutivos, com enfarte miocárdico e sob tratamento digitálico, a mortalidade foi de 16%. Tratava-se de um grupo heterogêneo e incluia pacientes com choque cardiogênico, insuficiência cardíaca congestiva, fibrilação atrial, bem como outros de menor evidência de insuficiência cardíaca. O grupo apresentado por Boyer é inteiramente semelhante ao nosso, tratado também com Lanatosideo-C e igual na incidência de morte.

 

Malmcrona e col, (66) estudaram do ponto de vista hemodinâmico, os efeitos do emprego de Digital em 10 pacientes com enfarte agudo do miocárdio, transmural, durante o ritmo sinusal e sem insuficiência cardíaca nem choque cardiogênico, estudo realizado dentro dos 4 primeiros dias do acometimento. Administraram Lanatosideo-C 0,80 mg, em dose única, e concluíram que uma moderada dose de Digital, dada endovenosamente a pacientes com enfarte agudo, pode ser mais benéfico que perigoso, mesmo na ausência de insuficiência cardíaca.

 

Constant (67), em uma revisão da literatura, revela que nenhum estudo clínico demonstra aumento da incidência de mortalidade ou de arritmia causado por Digital, quando empregada no enfarte agudo.

 

Pizzarello e col (68) a título especulativo, procuraram apreciar os efeitos da administração de Digoxina 0,50 mg, por via endovenosa, sobre a extensão do enfarte agudo e subseqüente mortalidade entre 18 pacientes, no período agudo do enfarte e durante 4 meses de observação. O tamanho do enfarte era previsto através das alterações de CPK dentro das primeiras 7 horas do processo enfartante e tomada a pressão da artéria pulmonar (média de 20mm Hg, variação de 16 - 26 mm Hg) Completado o enfarte, o tamanho era calculado através de todas alterações de CPK (90-160 horas). Em 28 pacientes de controle com enfarte agudo, houve uma estreita correlação entre o tamanho do enfarte previsto e o do enfarte calculado. Nos 18 pacientes tratados com Digoxina, o tamanho do enfarte calculado era significativamente menor que o tamanho do enfarte previsto. Acharam que estes dados sugeriam que a Digoxina, em certos pacientes com enfarte agudo, com grande tamanho previsto e alta pressão pulmonar, é responsável por salvamento de fibras miocárdicas isquêmicas. De acordo com o atual significado prognóstico da repercussão enzimática no enfarte agudo, esse trabalho foi o primeiro a cogitar do comportamento enzimático e da possível influência do digitálico sobre o tamanho do enfarte, registrado por nós como altamente significativo.

 

Morrison e col. (69), em nova pesquisa clínica com o objetivo anterior (68), fazendo a avaliação enzimática calcada em programação global da CPK e também da CPK-MB. O efeito da administração de Digoxina 0,50 mg, por via endovenosa, sobre a extensão do enfarte agudo, foi estudado em 8 pacientes após o tamanho do enfarte ter sido previsto através das alterações precoces das CPK e CPK-MB e a determinação da pressão da artéria pulmonar (média de 23 mm Hg, variação de 21-28 mm Hg). Completado o enfarte o tamanho era calculado pelos achados da CPK e da CPK-MB. Em 21 pacientes de controle com enfarte agudo, houve uma estreita correlação entre o tamanho do enfarte previsto e o do calculado, com o registro de uma diferença média de - 3%. No grupo tratado, 8 pacientes, o tamanho do enfarte calculado era significativamente menor que o do enfarte previsto, registrando-se a diferença média de -16% . Estes dados sugerem que a Digoxina, por via endovenosa, em pacientes com grande enfarte previsto e alta pressão da artéria pulmonar (maior que 20 mm Hg), produz aparente salvamento de fibras de miocárdio isquêmico.

 

Reicansky e col. (70), empregando Digoxina, por via endovenosa, em pacientes com enfarte agudo do miocárdio complicado por incipiente insuficiência ventricular esquerda, não registraram taquiarritmias ventriculares, demonstrando assim a ausência de aumento da sensibilidade miocárdica frente à dosagem terapêutica da Digoxina. Os resultados demonstraram que a Digoxina não aumentava a ocorrência de qualquer tipo de taquiarritmia ventricular; portanto, a sensibilidade à digital no enfarte experimental não foi confirmada por esses autores.

 

No último trabalho publicado, sobre os efeitos da Estrofantanina no enfarte agudo do miocárdio e especialmente quanto ao comportamento das reações enzimáticas, Varonkov e col. (71) registraram maior liberação enzimática, coincidente com a administração do cardiotônico nos casos de enfarte agudo do miocárdio, 14 horas após o inicio da crise dolorosa e também com a repetição da metade da dose da Estrofantanina 4 horas depois. Tal observação, apreciada do nosso ponto de vista e em função de nossa experiência com casos clínicos semelhantes, seguidos rotineiramente durante 6 dias com o emprego diário de Estrofantina, por via endovenosa, ao invés de constituir-se como um fato contraditório, parece-nos representar de fato uma resposta comum e esperada, após a administração do cardiotônico, durante período relativamente longo de liberação gradual e lenta das enzimas miocárdicas e acumulação ao nível do miocárdio, vasos sangüíneos e linfáticos, a qual exercendo aumento da contratilidade miocárdica atuaria precipitando a liberação das enzimas depositadas em miocárdio assim espremido e ativado. Interpretamos essa liberação como um fenômeno mecânico, semelhante a espremedura de uma esponja, independente de agressão miocárdica por ação direta do cardiotônico, isto porque a continuação do cardiotônico tem revelado níveis enzimáticos que inscrevem uma curva com picos crescentes e decrescentes, cujo clímax é registrado nas primeiras 48 horas, retornando ao normal apesar da contínua administração do cardiotônico. Aliás, esse fenômeno de aumento de liberação enzimática, durante o enfarte agudo do miocárdio, tem sido observado na reperfusão miocárdica experimental (119) e resultaria da lavagem miocárdica e movimentação das enzimas acumuladas. Acreditamos que a experiência clínica conduzida por aqueles autores, foi iniciada tardiamente e concluída precocemente, motivando provavelmente a apreciação de fenomenologia incompleta e inconclusiva.

 

Loeb e col. (72), empregando Ouabaina, por via endovenosa, no enfarte agudo do miocárdio, observaram que a redução da pressão diastólica do ventrículo esquerdo está relacionada com a melhoria da contratilidade.

 

Recentemente, temos apreciado o aparecimento de trabalhos clínicos investigando o comportamento da parede ventricular isquêmica, crônica, em portadores de coronariopatia sem insuficiência cardíaca, estudados através de registros ecocardiográficos, hemodinâmicos e cintigráficos, em pacientes submetidos ao cardiotônico.

 

Cronologicamente, devemos registrar como o primeiro o trabalho de O’Rourke e col. (73), sobre os efeitos favoráveis da Digoxina administrada oralmente, quanto ao tamanho do ventrículo esquerdo e movimentação da parede ventricular, em pacientes com prévio enfarte miocárdico, demonstrando que o cardiotônico diminui a cardiomegalia, aumenta o curso e a máxima velocidade de encurtamento da fibra miocárdica, nos segmentos ventriculares normais e muitas vezes reduz a extensão da movimentação anormal da parede, em repouso e durante o exercício. Portanto, a manutenção oral da Digoxina (O,5O mg/dia), pode ser benéfica em pacientes que têm persistente aumento do ventrículo esquerdo ou grandes anormalidades de movimentação da parede ou ambos, após enfarte, particularmente quando estas desordens de movimentação da parede, são associadas com diminuída reserva ventricular esquerda e diminuída tolerância ao esforço. Admitem a importância de mais estudos, para avaliação dos efeitos da manutenção da terapêutica digitálica sobre morbidade e mortalidade em tais pacientes.

 

Passam em revista a grande controvérsia existente quanto ao uso da Digital, em pacientes com enfarte miocárdico; e, referem que qualquer beneficio, do emprego de agentes que aumentam a contratilidade e a demanda de oxigênio miocárdico na presença de necrose aguda do miocárdio, permanece ainda para ser demonstrado. Contudo, há concordância geral de que a terapêutica de manutenção digitálica é indicada em pacientes com recente enfarte miocárdico, com sintomas e sinais de insuficiência cardíaca congestiva. Fazem referência especial aos trabalhos experimentais sobre enfarte miocárdico, que demonstram a melhora da função miocárdica regional através do emprego da Digital, sobre o miocárdio normal e zona intermediária, e o aumento nítido da contratilidade nestas regiões (57-59).

 

Amsterdam e col. (74) procurando avaliar o efeito da Estrofantina sobre a função regional do miocárdio isquêmico, observaram melhora segmentar da parede ventricular e função mecânica de todo o ventrículo esquerdo, em pacientes com doença coronária crônica estável. A movimentação segmentar era melhorada tanto nos segmentos miocárdicos normais como nos segmentos dissinérgicos.

 

Ferlinz e col. (75), procuraram observar os efeitos de rápida Estrofantinização sobre a função ventricular esquerda e assinergia ventricular de pacientes com coronariopatia crônica e concluiram que a Estrofantina não apenas melhora a função ventricular, em normais e coronariopatas, mas também reduz acentuadamente a extensão da assinergia do ventrículo esquerdo. Este trabalho representa o primeiro esforço de investigação combinada de angiografia coronária e hemodinâmica, para determinar a resposta do miocárdio assinérgico do homem ao cardiotônico e verificaram a concordância com os resultados dos trabalhos experimentais não invasivos, indicando melhora da assinergia do ventrículo esquerdo sob Digital ou Estrofantina.

 

Vogel e col. (76), observaram melhora da função ventricular como efeito imediato da Estrofantina, por via endovenosa, e a longo prazo, com Digoxina oral, em pacientes portadores de coronariopatia crônica, durante repouso e exercício, submetidos a estudos hemodinâmicos.

 

Vogel e col. (77), estudando a perfusão miocárdica com Tálio-201, em portadores de coronariopatia crônica e disfunção ventricular, tratados com Digital, observaram melhora da perfusäo miocárdica e da hemodinâmica ventricular esquerda, em repouso e após esforço.

 

Em trabalho mais recente, Koëtter e col. (78), referiram a existência de deficiência na função ventricular esquerda dos portadores de coronariopatia crônica, mas sem evidência de insuficiência cardíaca. Registraram significativa queda na pressão e no volume residuais diastólicos do ventrículo esquerdo sob a ação dos glucosídeos digitálicos. A diminuição no volume ventricular e da tensão parietal do ventrículo esquerdo, poderia prevenir ou ao menos diminuir o aumento da demanda de oxigênio causada pela melhora da contratilidade.

 

Não observaram variação no consumo de oxigênio miocárdico antes e após a Digoxina, seja em repouso ou durante a estimulação rítmica atrial; da mesma maneira, a extração de lactato miocárdico  não apresentou alterações. Não foi registrado metabolismo anormal de lactato,como índice de anaerobiose c conseqüência da digitalização.

 

Acharam razoável dar Digital àqueles pacientes com coronariopatia, sem evidência de insuficiência cardíaca congestiva, mas exibindo limitada tolerância ao esforço, provavelmente causada por diminuída reserva contrátil.

 

Acentuaram que, a despeito dos efeitos benéficos sobre a função ventricular esquerda, a digitalização não alterou definidamente o grau de tolerância ao esforço, no qual a angina ocorre. Assim, não admitiram a Digoxina como agente anti-anginoso e situaram como objetivo próximo da terapêutica digitálica a insuficiência ventricular esquerda, como freqüente conseqüência da coronariopatia crônica.

 

DeMots e col. (79), observaram que o tratamento pela Ouabaina, por via endovenosa, aumentou a fração de ejeção, melhorou a função e contratilidade ventricular esquerda e reduziu o volume residual diastólico do ventrículo esquerdo, mesmo quando inicialmente normal, em pacientes de coronariopatia crônica, sem alterar o consumo de oxigênio por mecanismos compensadores.

 

Kleiman e col. (80), submeteram pacientes de coronariopatia crônica estável, sem evidência de insuficiência cardíaca, a cuidadoso estudo hemodinâmico durante o período de controle, após digitalização rápida com Digoxina, por via endovenosa, e também, durante algumas semanas sob Digoxina oral. Demonstraram persistente melhora da contratilidade e função ventricular esquerda como resposta em ambas condições sob o cardiotônico.

 

No início de nossa experiência clínica, com o emprego do cardiotônico no enfarte agudo do miocárdio, contrariando a ortodoxia cardiologica baseada nos conceitos experimentais, deparávamo-nos com o refrão muito antigo de que o cardiotônico aumentando a contratilidade miocárdica condicionaria o aumento de consumo de oxigênio em área isquêmica e conseqüentemente seria nocivo, poderia aumentar o tamanho do enfarte e desencadear graves arritmias, e aumentar o risco de ruptura miocárdica na área do enfarte.

 

Enfrentamos essa aparente contra-indicação, desencorajadora do emprego do cardiotônico no enfarte agudo do miocárdio, motivados por nossa nova concepção fisiopatológica, baseada em fenomenologia miogênica que careceria do emprego essencial do cardiotônico corno comprovação; logo de inicio, obtivemos o fortalecimento de nossos conceitos, através da fácil resolução da síndrome intermediária, sob este novo enfoque terapêutico.

 

Reforçaram o nosso espírito, as contribuições anatomopatológicas (16, 29-53) que foram se somando aos achados angiográficos coronários dos enfartados agudos (12-15) e as escassas experiências clínicas no enfarte humano com o cardiotônico (4, 61-72).

 

Os registros experimentais de Puri (57), Kerber e col. (58) e Banka e col.(59), marcaram o inicio de uma nova era, quando demonstraram que o cardiotônico recupera a contratilidade da área isquêmica e hipocontrátil e a mantém assim durante muito tempo, contrariando antigos conceitos de agressão miocárdica e possível aumento da área necrótica.

 

É provável que essas contribuições tenham alguma relação com as últimas pesquisas sobre cardiotônico no homem com enfarte agudo (68, 69, 70) e também com os mais recentes trabalhos sobre o efeito do cardiotônico no miocárdio isquêmico crônico, cardiomegalia e dissinergia ventricular (73-80).

 

Os resultados obtidos com o cardiotônico no modelo humano do enfarte miocárdico, têm sido pacíficos e com reais benefícios sobre morbidade e mortalidade, em relação aos grupos de controle (61 -72).

 

Tudo o que diz respeito a enfarte agudo do miocárdio, fisiopatológica e terapeuticamente está a exigir uma séria reavaliação, principalmente porque as crescentes dúvidas sobre o processo primário de trombose coronária, são robustecidas pelos estudos arteriográficos coronários, realizados no enfarte agudo (12-15) e também pelos achados anatomopatológicos (l6, 29-53).

 

Da mesma maneira, no tocante aos resultados referidos como efeitos do cardiotônico na coronariopatia crônica estável (73-80), principalmente sobre a disfunção segmentar da parede ventricular e a função global do ventrículo esquerdo. em repouso e após esforço, não tem havido mais uma referência sequer àquele antigo refrão, de que o cardiotônico aumentando a contratilidade e o consumo de oxigênio. representaria um efeito danoso.

 

Observa-se generalizada concordância sobre a vantagem de sua ação ao propiciar melhores condições de contratilidade e da função ventricular. para suportar as cargas físicas dos exercícios programados ou decorrentes da atividade comum, apesar da evolução natural ser caracterizada pelo fenômeno isquêmico frente ao esforço. Além disso, é animador o achado de que o cardiotônico melhora também a perfusão miocárdica na coronariopatia crônica com disfunção segmentar ventricular (77). Esta melhora de perfusão miocárdica na coronariopatia parece contrariar a suspeita de que na isquemia aguda o cardiotônico teria efeito constritor coronário. Nestas condições, o Tálio-201 poderia fornecer ao modelo humano do enfarte uma decisiva informação, uma vez que entre a experimentação em animal com enfarte provocado e o enfarte humano espontâneo, parecem ocorrer importantes divergências que, para nós, decorrem da disparidade fisiopatológica dos dois mecanismos em jogo.

 

Para nós, tem sido muito importante a série de trabalhos desenvolvidos recentemente, sobre a ação do cardiotônico na coronariopatia crônica estável, buscando-se objetivamente no homem o registro de seus efeitos e assumindo a verdadeira atitude científica de comprovação clínica, com toda segurança, avaliando-se condições clínicas controvertidas, ainda hoje baseadas em discutíveis premissas experimentais.

 

Faz-se necessário que se re-estude com precisa tecnologia e fiel espírito crítico, a verdadeira posição do cardiotônico no enfarte agudo do homem e principalmente dentro de nossa justificada preferência pelo emprego da Estrofantina.

 

 

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