Instituto de Combate ao Enfarte do Miocárdio

 

 

 

Livro: Teoria Miogênica do Enfarte Miocárdico - Parte 7; Mesquita, QH de

 

ÍNDICE

 

Sumário e Conclusões

 

A Teoria Miogênica do Enfarte Miocárdico, desenvolvida através do método indutivo tradicional, teve como ponto de partida o insucesso do anticoagulante na prevenção e tratamento do enfarte e tem sido reforçada pelos sucessivos registros de condições clínicas que desencadeiam o enfarte e não se ajustam a Teoria Trombogênica de Herrick. Tem sido escudada pelos achados anatomopatológicos do grupo dissidente que preconiza a trombose coronária como conseqüência e não como causa do enfarte agudo, e especialmente pela crescente literatura a respeito de coronárias angiograficamente normais ou anastomoses aorto-coronárias pérvias, coincidentes com enfarte agudo.

 

A Teoria Miogênica preconiza a deterioração gradual do miocárdio isquêmico, através das repetidas manifestações de insuficiência coronária relativa e recíproca perda de contratilidade - estágio de estabilidade miocárdica e sintomática - responsáveis pelo desenvolvimento de áreas de miocardiosclerose progressiva: doença miocárdica segmentar.

 

Sob a ação contínua dos fatores físicos e psico-emocionais estressantes que sobrecarregam o miocárdio isquêmico ou dos fatores farmacológicos que deprimem a contratilidade e função ventricular, pode ser desencadeada a instalação de insuficiência miocárdica regional e isquemia miocárdica recíproca - estágio de instabilidade sintomática ou síndrome intermediária - reversível espontaneamente, pouco influenciada pelos nitritos e nitratos de ação rápida e clinicamente alarmante, prenunciando enfarte próximo.

 

Por fim, representando o clímax da instabilidade sintomática e miocárdica, manifesta-se a perpetuação do processo sintomático, como Quadro clínico enfartante, grave e evolutivo, sem reversão espontânea ou por qualquer outra forma de tratamento que não seja o cardiotônico. O seguinte estágio é a inexorável passagem à necrose miocárdica primária - enfarte agudo - e instalação da trombose coronária secundária, não obrigatória. Com relação ao mecanismo desta última, pode-se atribuir à estase coronária pós-enfarte o papel preponderante de sua formação, ou então, pode ocorrer a mesma em função da infiltração edematosa e celular na área enfartada, inclusive nos segmentos endoteliais, podendo fragmentar ou deslocar placas ateromatosas, inelásticas, e propiciar condições para a trombose coronária, vinculada a parede arterial lesada, com características aparentes de processo primário, mas que representaria apenas um simulacro de trombose coronária primária.

 

Na clínica, os achados de coronárias angiograficamente normais ou estenóticas mas pérvias, em correspondência direta com o setor miocárdico enfartado, tem servido para aumentar as desconfianças gerais quanto ao conceito original de Herrick. Além disso, o enfarte miocárdico observado no período peri-operatório da anastomose aorto-coronária ou a longo prazo, tem sido referido, recentemente, com muita propriedade, como necrose miocárdica paradoxal, porque ocorre em setores de nítida revascularização e com anastomoses pérvias. A recíproca também é verdadeira, a ausência de enfarte é notada em sítios miocárdicos dependentes de artérias com obstrução total aterosclerótica; tal fato representa a condição tardia da evolução natural da coronariopatia aterosclerótica com a instalação da doença miocárdica segmentar progressiva, mas conservando a estabilidade miocárdica e sintomática, freqüentemente registrada muito antes do processo de quadro clínico enfartante ou então nos casos de coronariopatia crônica sob a ação contínua do cardiotônico.

 

Segundo a teoria miogênica não há diferença entre a história natural da coronariopatia crônica que termina em enfarte ou em insuficiência cardíaca, o variável tem sido apenas a extensão da região da falência miocárdica, restrita a segmento miocárdico no primeiro, e generalizada na segunda.

 

Reveste-se de grande importância, o efeito da predominância ou manifestação isolada de coronária lesada sobre o ventriculograma, principalmente quando se trata da artéria descendente anterior esquerda, responsável pela desarmonia patológica e que gera precocemente o enfarte miocárdico, insuficiência cardíaca ou aneurisma ventricular. Enquanto que, em 2 ou 3 artérias coronárias simultaneamente lesadas, a repercussão parece caracterizar aparente equilíbrio entre si e oferecem os aspectos de harmonia patológica, de evolução mais lenta, podendo desenvolver enfarte em setor mais comprometido ou a insuficiência cardíaca. Assim, admite-se como se vê, um mecanismo unitário para a fisiopatologia do enfarte miocárdico e da insuficiência cardíaca no coronariopata crônico, sem a habitual exigência de trombose coronária primária para justificar a ocorrência do enfarte. Na instalação do enfarte agudo, a falência miocárdica regional desenvolve ao mesmo tempo o confronto com os segmentos ventriculares funcionalmente normais, agravando-a e acelerando o processo de necrose miocárdica primária; na insuficiência cardíaca, a falência sendo generalizada não desencadeia confronto intersegmentar nem necrose.

 

Os trabalhos sobre estudos farmacológicos experimentais, têm sido responsáveis pela contra indicação formal do emprego do cardiotônico no enfarte agudo do miocárdio, como conseqüência do seu possível efeito danoso, decorrente do aumento da contratilidade e do consumo de oxigênio, em condições de reduzido suprimento de oxigênio.

 

A divulgação de tais conceitos gerou o tabu do cardiotônico no enfarte agudo. Contudo, trabalhos clínicos sobre administração do Cardiotônico no enfarte agudo, apesar de não contarem com o suporte experimental, têm-se mostrado encorajadores quanto aos resultados, ausência de complicações e baixa mortalidade. São aspectos conflitantes, significativos e válidos, porque os resultados terapêuticos consagram tal prática e devem despertar os investigadores.

 

A elaboração da teoria miogênica com nova base fisiopatológica, também se fixa em novo conceito terapêutico, diferente do preconizado pela ortodoxia cardiológica e envolve a controvertida participação do cardiotônico. Neste particular, recaiu a nossa escolha sobre a Estrofantina, por via endovenosa, em conseqüência de nossa antiga experiência clínica e sobejas razões calcadas nos grandes benefícios registrados no enfarte agudo, complicado por insuficiência cardíaca ou taquiarritmias.

 

A experiência clínica inicial com o emprego do cardiotônico na síndrome intermediária, correspondeu plenamente à expectativa e com resultados seguros e imediatos, fazendo desaparecer o estágio de instabilidade e ocorrendo o retorno imediato à estabilidade sintomática e miocárdica. A manutenção de tais casos, praticada com o emprego do cardiotônico oral - digital ou proscilaridina - associado ao dilatador coronário, tem-se mostrado tranqüila e estável.

 

Passando da síndrome intermediária às observações sobre o comportamento dos pacientes habitualmente considerados como enfartados agudos, do ponto de vista clínico, eletrocardiográfico e enzimático, frente à Estrofantina G ou K, por via endovenosa, sob administração diária durante 6 dias, foram observados nítidos aspectos, então inéditos, quanto a seus efeitos imediatos sobre o ECG, quadro clínico e enzimático, sem complicações, transformando efetivamente o comportamento dos pacientes agudos e constituindo-se como nova experiência, verdadeiramente diferente. Graças às evidentes transformações de comportamento de cada caso, passaram a ser denominados como portadores de quadro clínico enfartante, condição que poderia chegar ao enfarte ou ser interrompido e até evitado.

 

Ficou patente que o ECG, dada à tendência regressiva e à freqüente reversibilidade dos padrões e até da deflexão QS, passaria a representar subsídio apenas diagnóstico e topográfico, mas sem condições de informações prognósticas precisas, cabendo maior importância tanto diagnóstica como prognóstica as reações enzimáticas seriadas, que são favoravelmente influenciadas pelo cardiotônico; traduzindo certamente o atendimento específico do estágio fisiopatológico crítico da insuficiência miocárdica regional - precursora da necrose miocárdica primária.

 

Assim, com decorrência dos efeitos miocárdicos e expressos através dos picos enzimáticos, identificamos como enfarte evitado todo caso sem registro de repercussão enzimática, como enfarte sustado aquele caso que apresenta picos enzimáticos inferiores a 3 x parâmetro superior normal e como enfartado aquele que ultrapassa este índice.

 

Dos resultados apreciados, resulta a convicção de que o cardiotônico atua como protetor miocárdico no quadro clínico enfartante, porque nesta condição clínica prepondera a falência miocárdica regional ao invés da propalada necrose miocárdica pós-trombótica.

 

Como conseqüência, o tabu do cardiotônico no enfarte agudo do miocárdio é apresentado como um preconceito que não corresponde à realidade clínica.

 

Recentemente, tem sido registrado melhor posicionamento do cardiotônico no enfarte experimental, enfarte humano e coronariopatia crônica, através de estudos críticos, nos quais o cardiotônico tem se comportado de maneira benéfica, com o miocárdio isquêmico mostrando-se receptivo e cujos efeitos se caracterizam por aumento da contratilidade tanto nos segmentos isquêmicos como nos não isquêmicos, sem representar aumento do consumo de oxigênio, mercê da participação de outros mecanismos compensadores.

 

De toda experiência clínica aplicada ao estudo e fortalecimento da teoria miogênica, dentro dos conceitos fisiopatológicos e terapêuticos, foram tiradas as seguintes conclusões:

 

1 - A trombose coronária é secundária e não obrigatória; a trombose coronária primária constitui a excepcionalidade.

 

2 - O modelo experimental do enfarte miocárdico não parece reproduzir com fidelidade o modelo humano espontâneo.

 

3 - Do ponto do vista fisiopatológico, a angina do peito estável, provocada por fatores diversos, caracteriza-se por isquemia miocárdica e perda de contratilidade recíproca; enquanto a angina do peito instável e síndrome intermediária, espontâneas, são desencadeadas por mecanismo inverso da primeira, caracterizando-se portanto por insuficiência miocárdica regional e isquemia miocárdica recíproca. 0 quadro clínico enfartante representa o clímax da instabilidade sintomática e miocárdica, só reversível pela ação do cardiotônico.

 

4 - A insuficiência miocárdica regional é o estágio crítico da fisiopatologia do enfarte, agravada pelo confronto intersegmentar e é seguida pela instalação da necrose miocárdica, caracterizada morfologicamente por estágios variados.

 

5 - Na coronariopatia crônica, o mecanismo do enfarte miocárdico é idêntico ao da insuficiência cardíaca, variando apenas a extensão do processo de falência miocárdica, regional no enfarte e generalizada na insuficiência cardíaca.

 

6 - O cardiotônico, preferencialmente a Estrofantina, por via endovenosa, representa a terapêutica específica na fase de insuficiência miocárdica regional e sua administração é capaz de evitar o enfarte; na fase de transição para a necrose miocárdica primária, pode ser responsável pelo aspecto sustado e quando a necrose já está em curso, o enfarte pode ser atenuado, em conseqüência do salvamento de fibras miocárdicas isquêmicas mas viáveis.

 

7 - O cardiotônico aumenta a contratilidade sem aumentar o consumo de oxigênio, devido a mecanismos compensadores: diminuição do volume e pressão diastólica final e da tensão da parede ventricular.

 

8 - O cardiotônico empregado rotineiramente no quadro clínico enfartante parece ter ação protetora miocárdica, evidenciada especialmente através dos seguintes efeitos imediatos:

a) ótima receptividade do miocárdio enfartante, mesmo na presença de alarmantes aspectos eletrocardiográficos iniciais;

b) nítido encurtamento do período doloroso;

c) características regressivas e fácil reversibilidade eletrocardiográfica até das deflexões Q e QS;

d) baixa incidência de arritmias cardíacas;

e) incidência habitual de bloqueio atrioventricular parcial e total;

f) baixa incidência de insuficiência cardíaca;

g) baixa incidência de choque cardiogênico;

h) redução dos picos das reações enzimáticas seriadas e rápido retorno ao normal;

i) baixa mortalidade.

 

9 - O cardiotônico após a resolução da síndrome intermediária e do quadro clínico enfartante, na coronariopatia crônica de angina do peito estável ou silenciosa, mostra-se imprescindível e responsável pela preservação funcional do miocárdio isquêmico, nivelado por cima com o miocárdio não isquêmico, portanto sem confronto intersegmentar, a longo prazo e mesmo diante da instalação progressiva da obstrução total de 1, 2 ou 3 artérias coronárias extramurais, pelo processo aterosclerótico, impede a degradação funcional do miocárdio e tem evitado o enfarte, sempre associado ao dilatador coronário.

 

10 - O cardiotônico é responsável pela deambulação precoce e segura no quadro clínico enfartante, com enfarte evitado ou sustado é efetivada no 5º dia e no enfartado tem lugar no 10º dia, ocorrendo a alta hospitalar no dia seguinte; tem sido registrada a mortalidade de 0,4% coincidente com a deambulação precoce.

 

11 - A interrupção do cardiotônico na angina estável tem coincidido com o recrudescimento da sintomatologia e diminuição da tolerância ao esforço; e, posteriormente, à síndrome intermediária tem ocorrido recidivas ou mesmo a instalação do quadro clínico enfartante, principalmente quando se faz a sua substituição pelo bloqueador beta-adrenérgico.

 

12 - Na angina do peito estável, a administração simultânea do cardiotônico e bloqueador beta-adrenérgico, tem sido responsável pela manifestação da instabilidade sintomática que desaparece com a eliminação do bloqueador beta-adrenérgico.

 

13 - Sob a administração contínua do cardiotônico, às vezes surgem manifestações de instabilidade sintomática que chegam a exigir o reforço terapêutico por Estrofantina, por via endovenosa, nos casos tratados. por Proscilaridina e ou Digoxina ou Lanatosideo C, por via endovenosa, naqueles tratados por Digital oral, ou a simples internação e repouso, sem alteração da terapêutica de manutenção; após essas medidas, resulta a acalmia do.quadro clínico, sem qualquer repercussão enzimática ou eletrocardiográfica. Curiosamente, há certas coincidências com sobrecargas físicas e emocionais ou infecções das vias aéreas superiores, precedendo o recrudescimento sintomático.

 

14 - As incidências cumulativas de morbidade - insuficiência cardíaca, .síndrome intermediária e quadro clínico enfartante - e de mortalidade, da:angina do peito, da síndrome intermediária e do quadro clinico enfartante, seguidos no período de 1972 -1978, tratados continuamente sob a ação do cardiotônico e dilatador coronário, são muito baixas e contrastam nitidamente com os índices registrados na literatura sob outras formas de tratamento.

 

15 A administração associada do dilatador coronário ao cardiotônico näo deve ser negligenciada. No processo enfartante agudo, a ausência do dilatador coronário, coincidia com o registro de período doloroso mais longo, embora os outros parâmetros não sofressem alterações dignas de registro.

 

16 - Da amostragem da arteriografia coronária, na síndrome intermediária e no quadro clínico enfartante, o material é praticamente idêntico quanto aos aspectos, em número e grau, das lesões em geral.

 

17 - No quadro clínico enfartante, sustado e enfarte evitado, os casos freqüentes de obstrução total da coronária satélite da região enfartante, são interpretados como pré-existente, tendo em vista o suporte fornecido pelos reduzidos níveis enzimáticos. No paciente enfartado, a obstrução total não pode ser discutida, mas é de supor-se que em muitos deles a obstrução total seja também pré-existente.

a) Em cerca de 40% dos casos de processos sustados e enfartados, as artérias coronárias estão permeáveis; destes, 26% são do lesões estenóticas iguais ou superiores a 50%; 4% de lesões estenóticas insignificantes e coronárias normais; 4% com fluxo coronário lento e coronárias normais e 5,6% com coronárias normais. Os casos de coronárias normais têm a prova de esforço com ECG indicando insuficiência coronária relativa.

b) A circulação colateral coronária é absolutamente predominante nos casos de obstrução total de artéria coronária (74%).

c) Da repercussão do panorama arteriográfico coronário sobre o ventriculograma, há uma predominância absoluta de assinergia de 1 parede (56,8%) sobre ventriculograma normal (18,3%) e com assinergia difusa (24,9%).

d) O aneurisma ventricular (6%) ocorre predominantemente em processos isolados ou combinados, comprometendo a artéria coronária descendente anterior.

e) A ponte miocárdica (6,5%) é atributo da descendente anterior - terço médio - e independente da condição física da coronária; da mesma maneira, a baixa incidência de prolapso de folheto de mitral (2,5%) e de insuficiência mitral (1,5%) não oferece qualquer correlação com as lesões coronárias registradas.

f)  O volume residual sistólico maior que o normal é registrado cm 54,3% e predomina nos casos do obstrução total.

g) As lesões isoladas de 1 das 3 coronárias maiores, indicam a da artéria coronária descendente anterior, como a de maior importância prognóstica, repercutindo sobre o ventriculograma e responsável por todos os casos de aneurisma ventricular (considerado do ponto do vista ventriculográfico), dando predominante assinergia anteroapical, coincidente com processos estenóticos ou obstrutivos totais; a da artéria coronária direita projeta-se através de assinergia inferior e da circunflexa como assinergia inferior ou inferolateral,

h) As lesões coronárias isoladas são responsáveis pela desarmonia patológica no ventriculograma e resulta dos efeitos da isquemia e perda da contratilidade regional, acrescidos pelo efeito mecânico, como sobrecarga hemodinâmica, imposta pela exaltação dos outros segmentos ventriculares não isquêmicos, durante a fase de ejeção ventricular. Quando a artéria descendente anterior está em jogo quase sempre o destino é o processo enfartante, aneurisma ventricular ou insuficiência cardíaca. Nas duas outras coronárias, as repercussões são mais modestas e quase sempre o destino tem sido o quadro clínico enfartante.

i) Nas lesões combinadas de 2 ou 3 artérias coronárias, as repercussões sobre o ventriculograma são responsáveis pela harmonia patológica que pode levar ao enfarte do segmento mais comprometido ou a insuficiência cardíaca.

j) A rede de circulação colateral coronária nem sempre é capaz de evitar o enfarte miocárdico, porque o seu desenvolvimento é realizado em função do aspecto anatômico no processo obstrutivo e nem sempre é suficiente para atender às exigências da atividade física do coronariopata. O papel do cardiotônico é completar os efeitos da circulação colateral e assegurar a preservação funcional do miocárdio isquêmico e evitar o enfarte.

  

 

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