Instituto de Combate ao Enfarte do Miocárdio
Memórias sobre nossa contribuição para o estudo da síndrome de Wolff-Parkinson-White
A síndrome de Wolff-Parkinson-White ainda não constava dos compêndios de Eletrocardiografia e figurava apenas em escassos trabalhos, mas já despertara nossa curiosidade e estávamos à procura da mesma. O trabalho de Fox (1945) chegara-nos com o registro da síndrome de WPW e complexo QRS de duração normal mas com onda Delta bem nítida, diferente do tipo clássico que, nos primórdios, era tido como Bloqueio de ramo com PR curto, em conseqüência da aberrância do complexo QRS; desde o trabalho de Wilson (1915) até o trabalho de Wolff, Parkinson e White que emprestaram o nome à síndrome de WPW (1930).
Fox publicava então novo aspecto da síndrome de WPW, com o complexo QRS anômalo (onda Delta) mas com duração normal e segmento RS-T e onda T normais. O mecanismo elaborado por ele justificava o aspecto eletrocardiográfico descrito, como decorrente de dupla condução AV - normal e aberrante - e da precessão ventricular através do feixe aberrante., logo completada pela condução AV normal, produzindo assim o complexo QRS de duração normal, segmento RS-T e onda T normais, como indício de sincronismo na ativação ventricular.
Naquele mesmo ano, logo depois do trabalho de Fox, identificávamos o nosso 1º caso, idêntico, adotando desde então o seu mecanismo da dupla condução e complexo QRS dependente morfologicamente da precessão ventricular e da fusão dos estímulos na massa ventricular, sincronicamente, coincidindo com o complexo QRS de duração normal ou assincronicamente, justificando a aberrância do complexo QRS e alterações do segmento RS-T e da onda T.
No ano seguinte, observamos mais 2 casos idênticos que, dada à raridade de tais fenômenos, foram sucessivamente publicados.
Em 1954, foi-nos proporcionada a retirada de 2 corações de portadores da síndrome de WPW em pacientes com Doença de Chagas. Com os corações em nosso poder oferecemos a mais de um anatomopatologista de nosso meio o material para que executasse o estudo sobre a localização de feixes de condução AV acessória, conforme outros trabalhos já existentes. Não conseguimos sensibilizar nenhum deles.
Quando Prinzmetal publicou a sua teoria sobre condução acelerada AV, no próprio sistema de condução AV, como dissociação do caminho normal, muito bem imaginada, a qual chegamos a admitir como possível em certos casos, uma vez que estaria de pé o fenômeno de dupla condução AV. Ao terminarmos a leitura de sua monografia, resolvemos oferecer-lhes os 2 corações para que fossem examinados histologicamente.
Despertamos o interesse de Prinzmetal e estávamos tratando de enviar os 2 corações, quando fomos surpreendidos com a viagem para a Philadelphia, oferecendo à Bailey a grande oportunidade para que ele iniciasse a cirurgia de aneurisma do coração pós-enfarte. Levamos as peças anatômicas e as remetemos de lá para Los Angeles, rogando-lhe a fineza de acusar o recebimento das mesmas para São Paulo.
Ao retornarmos encontramos a carta de Myron Prinzmetal, dando-nos conta de que o Professor Maurice Lev iría fazer pessoalmente o estudo dos 2 corações. Aquele estudo levou seguramente 6 anos e foram examinadas mais de 17.000 lâminas. Convidaram-nos a participar do trabalho e aceitamos com muita honra e com o interesse de reforçar o mecanismo da dupla condução AV simultânea e com ligeira precessão ventricular através do feixe aberrante.
Procederam diferentemente do Charles P. Bailey quando da publicação sobre a aneurismectomia ventricular do nosso caso, publicado separadamente lá e cá.
Em um dos casos foi identificada uma conexão neuromuscular AV anômala e no outro o nó AV e feixe de His bastante comprometidos, sendo de notar a presença de delicadas conexões reconhecidas como fibras de Mahaim, fazendo conexão do septo atrial com a massa ventricular esquerda. Não tínhamos a impressão de que essas fibras pudessem ter servido como via de condução para os estímulos dos átrios ao ventrículo esquerdo, mas o padrão de bloqueio do ramo direito observado merece registro e poderia ter desempenhado às vezes de via de condução AV como Mahaim admite.
Em 1955, publicamos "Raros aspectos da síndrome de Wolff-Parkinson-White" procurando despertar o interesse da comunidade cardiológica nacional, quando a literatura internacional se avolumava e já os tratadistas começavam a registra-la.
Desde os primeiros trabalhos preconizávamos sempre a necessidade de dupla condução AV com pré-excitação ventricular pelo feixe aberrante, seguida pela soma ou fusão de estímulos, via normal e aberrante, na massa ventricular e como corroboração indicava o resultado eletrocardiográfico do caso de Mahaim, de agenesia do nó AV e presença do feixe aberrante de Kent, dando a inscrição de intervalo PR longo, sem onda Delta e complexo QRS com padrão de Bloqueio de ramo esquerdo.
De nossa observação, sempre demonstramos a ausência de complexo QRS típico de WPW, quando na vigência de extrassistoles nodais AV, cujo estímulo chegaria aos ventrículos só pela via AV normal, não sendo utilizada a via aberrante.
Da mesma maneira, também no bloqueio AV total, não haveria possibilidade do registro da síndrome de WPW, a não ser em ocasional captura ventricular ou repermeabilização da condução AV. Também chamamos a atenção para certos casos que vira confundidos com enfarte de parede inferior (QS3 e QSaVF). Nestes casos a prova de atropina EV (1mg.) restabelecia a condução AV única e eliminava pelo menos transitoriamente a síndrome de WPW e podia-se registrar o padrão ´rS´ ao invés de QS registrado na WPW.
Na síndrome de WPW, sempre que coincidia com o enfarte agudo do miocárdio, o padrão de WPW mascarava o padrão de enfarte e somente quando a pré-excitação ventricular é seguida por complexo QRS de duração normal é que se podem identificar a síndrome de WPW e também o enfarte; na aberrância do complexo QRS pela síndrome de WPW o complexo QRS não fornecerá elementos para o diagnóstico do enfarte, sendo assim mascarado.
Aliás, no nosso livro de Arritmias (1971) há um exemplo de síndrome de WPW com QRS de duração normal e o padrão de enfarte reconhecido facilmente.
Em 1961, publicamos novo trabalho sobre a síndrome de WPW, quando apresentamos o registro de ciclos normais (QRS, RS-T e T normais) de origem nodal AV na vigência da síndrome de WPW e como indicação da utilização de 1 só via de condução AV - normal - durante o registro de extrassistole ou escape nodal AV; reforçando assim a necessidade da dupla condução AV para que se obtenha o registro da síndrome de WPW. Tal fenômeno não ocorre quando, durante a vigência de WPW, se registra extrassistole ou escape do seio venoso coronário.
Em 1984, publicamos caso dos tipos A (esquerdo) e B (direito) da síndrome de WPW, com registros isolados e também alternantes em um mesmo ECG sugerindo a participação de 2 feixes aberrantes de condução atrioventricular situados em cada lado.
Por último, em 1999, publicamos casos de ritmo nodal AV e taquicardia paroxística nodal AV com bloqueio NAV-A, tipos 3, gerando a síndrome de WPW tipos A e B constituindo excepcionais e raros aspectos eletrocardiográficos que servem de confirmação à teoria de dupla condução AV – acelerada e lenta – de Prinzmetal.
Bibliografia: 1) Conduta auriculoventricular aberrante com PR curto e QRS anormal mas de duração normal, O Hospital, 1945;28:981 2) Raros aspectos da dupla condução auriculoventricular, O Hospital, 1946;29:1 3) Raros aspectos da síndrome de Wolff-Parkinson-White, Rev Hospital N.S. Aparecida, 1955;8:179 4) Manifestações do nó auriculoventricular e seio coronário com relação à síndrome de Wolff-Parkinson-White, Arq Bras Cardiol, 1961;14:363 5) A histopathologic study of the atrioventricular communications in two hearts with the Wolff-Parkinson-White syndrome, Circulation, 1961;24:41; Lev M, Kennamer R, Prinzmetal M e Mesquita QHde. 6) Coexistência dos tipos A e B da síndrome de W-P-W com fenômenos isolados e alternantes, Arq Bras Cardiol, 1984;42/3:205 7) Excepcionais registros da síndrome de Wolff-Parkinson-White no ritmo e na taquicardia nodal AV confirmando a teoria da condução acelerada de Prinzmetal, Mesquita QHde e Baptista CAS, apresentado no I Congresso Virtual de Cardiologia, 1999: http://pcvc.sminter.com.ar/cvirtual/tlibres/tnn2346p/tnn2346p.htm; e posteriormente publicado na Ars Cvrandi 2002, Vol 35;3:32-38 (maio)
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