Instituto de Combate ao Enfarte do Miocárdio
A Variabilidade nas Taxas de Mortalidade Hospitalar da Cirurgia de Ponte de Safena e os Desvios nos Relatos Públicos
Pesquisa feita por Brian Jarman, do Imperial College de Londres, para uma consultoria médica independente (Dr. Foster), e endossada pelo Departamento de Saúde, examinou as taxas de mortalidade hospitalar da cirurgia de ponte de safena em 29 hospitais da Inglaterra.
Os resultados revelaram que, apesar das taxas de mortalidade terem caído durante os últimos anos, elas foram de 3 a 4 vezes mais altas nos hospitais que apresentaram pior resultado, do que naqueles com melhor resultado (1). Estes achados foram complementados através de estudo feito pela Sociedade de Cirurgiões Torácicos da Grã Bretanha e da Irlanda (SCTS), tendo base nos dados de todas as cirurgias cardíacas realizadas em todas as unidades do Serviço Social do Reino Unido de 1998-2000 (2). Os resultados apresentados pelo SCTS (no caso de pacientes submetidos pela primeira vez à cirurgia de ponte de safena), ficaram próximos das taxas de mortalidade de 33 hospitais do Estado de Nova York, EUA entre os anos de 1995 – 1998, mostrando que a larga variação nos índices de mortalidade entre hospitais, neste tipo de cirurgia, não é surpreendente e nem incomum. Em Nova York, a taxa de mortalidade hospitalar da cirurgia de ponte de safena ficou na faixa de 0,62 – 4,56% comparada com a do Reino Unido que ficou entre 0,8 – 4,6%, para os anos de 1998 – 2000 (3). Outro relatório sobre cirurgia cardíaca em adultos, da Sociedade de Cirurgiões Cardiovasculares, mostrou que a mortalidade anual nacional para a cirurgia coronária no Reino Unido foi de 2.1%, para três anos (1999-2001). Enquanto isso a mortalidade nos Estados Unidos em 2001 foi de 2.6% (4).
Durante a apresentação dos dados referentes aos anos de 1999-2001 no Royal College of Surgeons, os médicos ingleses levantaram receios quanto as intenções de se publicarem os resultados individuais de cirurgiões, no caso da cirurgia de ponte de safena, em 2004 (4).
O sistema de relatórios para a cirurgia cardíaca, com a publicação de resultados institucionais e individuais, já havia se tornado obrigatória no Estado de Nova York desde 1989, para todos os cirurgiões do coração. Essa foi a primeira vez que em houve a publicação de um relatório médico apontando a mortalidade específica para a cirurgia cardíaca. Como resultado da legislação de liberdade de expressão, seus resultados tanto institucionais quanto individuais, começaram a ser divulgados pela imprensa leiga a partir de 1991 (5).
Como conseqüência dessa obrigatoriedade começaram a aparecer diversos desvios, deformações e desinformações. Por exemplo, 40% dos cirurgiões consultados no Estado de Nova York admitiram que jogaram com os fatores de risco e 62% admitiram estar recusando operar pacientes de alto risco, os quais, teoricamente, teriam mais a ganhar com um procedimento bem sucedido (6). Também as metodologias estatísticas, fundamentais aos relatórios, foram consideradas enganosas e não justificariam o grau de precisão apresentados ao público (7).
Em contraste, estudo chefiado por Viola Vaccarino da Emory University e publicado no Circulation (8), avaliando o registro médico de 51.187 pacientes (70% homens, 30% mulheres) submetidos à cirurgia de ponte de safena entre 1993 e 1999, encontrou que: a) 5,3% das mulheres morreram no hospital (durante ou logo após a cirurgia) contra 2,9% dos homens. O óbito em pacientes com idade inferior a 50 anos foi de 3.4% para mulheres versus 1.1% para homens. O óbito em pacientes entre 50 e 59 anos foi de 2.6% para mulheres versus 1.1% para homens. Os autores consideraram um paradoxo a diferença na mortalidade a maior nos pacientes do sexo feminino em comparação com os de sexo masculino, pois as mulheres objeto do estudo tinham doenças coronarianas mais brandas do que os homens. b) O índice de mortalidade hospitalar nos pacientes acima de 80 anos foi de 8,3% para homens e de 9% para mulheres.
Estudo realizado no estado do Rio de Janeiro mostrou que durante os anos de 1999-2003 a mortalidade hospitalar média foi de 7,5% para a cirurgia de ponte de safena e de 1,7% para a angioplastia coronariana (10). No Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia em São Paulo, durante o período entre 1999-2003, em estudo que envolveu 2.032 pacientes submetidos consecutivamente à cirurgia de ponte de safena, a mortalidade total hospitalar foi de 4,1% para homens e de 6,3% para mulheres enquanto a taxa de enfarte agudo do miocárdio foi respectivamente de 5,3% e 6,3% (11). Levantamento feito a partir dos dados SIH/Datasus do Ministério da Saúde, nas diversas regiões brasileiras, mostrou uma mortalidade hospitalar na cirurgia de ponte de safena de 7% nos pacientes durante o período entre 2000-2003, em 65.716 casos operados em serviços públicos (13, 14).
Mesmo com a queda ocorrida nos últimos anos, a taxa de mortalidade hospitalar da cirurgia de ponte de safena continua alta quando comparada com os baixos índices de mortalidade dos pacientes da lista de espera para a cirurgia de ponte de safena.
Em estudo realizado por C. David Naylor e John Paul Szalai, da Faculdade de Medicina da Universidade de Toronto (9), foram avaliados 21.220 pacientes que estavam na fila para se submeterem à cirurgia de ponte de safena. Neste grupo houve 82 óbitos, em um seguimento médio de 18 dias. Em outro grupo de 21.220 pacientes sobreviventes de enfarte do miocárdio aconteceram 663 óbitos em 6 meses, dentro de um seguimento médio de 185 dias.
De acordo com esses autores, os dados mostraram que cerca de 1 em 250 pacientes escalados para a cirurgia de ponte de safena, morrem antes da operação. Notam ainda que, embora os óbitos pós-operatórios à cirurgia de ponte de safena ocorram 5 vezes mais do que os óbitos daqueles que estão na lista de espera para serem operados, médicos e famílias dos pacientes podem ficar confortados no fato de que “tudo o que era possível foi feito”.
Notar finalmente que diversos estudos tem demonstrado uma mortalidade cardíaca anual inferior a 1% no tratamento clínico da doença coronariana estável (12).
Bibliografia: 1. UK league table reveals variations in mortality rate after heart surgery. Lancet, 2001;358: 9295. 2. The Society’s Response to the Dr Foster and Department of Health League Tables, 19 November 2001, http://www.scts.org 3. State Health Department Release Latest Report on Coronary Bypass Surgery in New York State.1998 Coronary Artery Bypass Surgery. Albany, Feb 13, 2001. 4. UK heart surgery results similar to those in the United States. Anne Gulland, BMJ 2002;325:986 (2 November) 5. Ranking heart surgeons has pitfalls, BMJ 2003;327:107 6. Public reporting of surgical mortality: a survey of New York State cardiothoracic surgeons, Burack JH et al, Ann Thorac Surg 1999;68:1195-200 7. Cardiac surgery report cards: comprehensive review and statistical critique, Shahian DM et al, Ann Thorac Surg 2001;72:2155-68 8. Sex differences in hospital mortality after coronary artery bypass surgery. Evidence for a higher mortality in younger women, Viola Vaccarino et al, Circulation 2002: 105:1176-81. 9. Benchmarking the vital risk of waiting for coronary artery bypass surgery in Ontario. C David Naylor and John Paul Szalai, CMAJ 2000;162(6):775-9 10. Saúde Cardiovascular na era Tecnológica, Nelson Albuquerque de Souza e Silva. Editorial, Arquivos Brasileiros de Cardiologia, Vol 83, 6, Dez 2004. 11. Resultados imediatos da cirurgia de revascularização miocárdica: Comparação entre homens e mulheres, Vivian Lerner Amato e outros, Arquivos Brasileiros de Cardiologia, Vol 83, Nº Especial, Dez 2004. 12. Cardiotônico: insuperável na preservação da estabilidade miocárdica como preventivo das síndromes coronárias agudas e responsável pela prolongada sobrevida, Quintiliano H de Mesquita e Cláudio A S Baptista, Ars Cvrandi, maio de 2002;35:3 (polêmica-20) 13. Mortality related to cardiac surgery in Brazil, 2000-2003, Antonio L P Ribeiro, Carlos Armando L Nascimento, Savério PL Gagliardi et al. J Thorac Cardiovascular Surg. 2006 Apr. 131(4); 907-9 14. Reportagem: Índice de Mortes em cirurgia do coração é o dobro do aceitável. Ligia Formenti, O Estado de São Paulo, 13 de agosto de 2007. Texto integral em http://www.idec.org.br/noticia.asp?id=8602 ou em http://www.tinyurl.com/2v29wl
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