Instituto de Combate ao Enfarte do Miocárdio

 


 

A Terapia de Reposição Hormonal e

os Riscos Cardiovasculares

 

A Ritualização dos estágios da vida não é nova. O que é nova é sua intensa medicalização.... Supervisão médica pela vida inteira..... tornando a vida em uma série de períodos de risco. (1 )

 

O uso da Terapia de Reposição Hormonal (TRH), baseada em estrogênio isolado ou associado ao progesterona sintético, em mulheres na pós-menopausa, está sofrendo uma grande reviravolta com a publicação de novos estudos melhor elaborados, os quais demonstram de forma inequívoca seus efeitos desastrosos para a saúde. Eles colocam em xeque todo o entusiasmo contido nas muitas centenas de estudos superficiais e especulativos anteriores que apregoavam resultados espetaculares e de excepcionais benefícios divulgados largamente no mundo inteiro, tanto na imprensa leiga como na especializada. Isto transformou a TRH em uma panacéia e utilizada até por mulheres que não chegaram à menopausa, em busca de retardar os efeitos do envelhecimento. A TRH cativou assim uma grande legião de seguidoras que acreditou e investiu no que lhes foi dito e vendido. Hoje, muitas estão desamparadas porque ainda não conseguiram entender o que aconteceu. Por isso grande parte delas permanece na Terapia de Reposição Hormonal usando essas drogas, apesar dos riscos, por falta de opções pelos seus médicos que não querem admitir seus erros de avaliação e falta de previsão. Também, porque eles precisam manter o controle e prestígio. Quanto a ignorância ela não é defesa, pois o perigo do câncer e de doenças cardiovasculares esteve sempre presente e à espreita nas sombras.

 

No que tange especialmente ao uso de hormônios com o objetivo da proteção cardiovascular parece que se esgotaram todas as chances que lhe foram dadas em mais de 30 anos de tentativas fracassadas tanto no homem como na mulher. Curiosamente, enquanto que no homem os estudos controlados e seus resultados negativos aconteceram rapidamente, na mulher demoraram quase três décadas para ocorrerem.

 

Hormônios na prevenção cardiovascular

 

O primeiro e grande teste clínico, aleatório e duplo-cego, dos hormônios na prevenção da doença cardiovascular (DCV) foi realizada em homens, na década de 60 (2, 3) Essa terapia foi logo abandonada porque se observou uma crescente taxa de eventos tromboembólicos, enfarte do miocárdio, e câncer (além de ginecomastia e impotência). Outros estudos realizados nesta época, em mulheres que tomaram altas doses de anticoncepcionais a base de hormônios na pré-menopausa, sugeriam um risco crescente de enfarte do miocárdio. Conseqüentemente, no início dos anos 70, começou-se a pensar que o uso de estrogênio aumentaria o risco de doenças cardiovasculares na mulher (4).

 

Em 1975 foram publicados estudos no New England Journal of Medicine, mostrando que as mulheres que tomaram o estrogênio tiveram um aumento nos riscos de câncer no endométrio em cerca de 5 vezes. Quando houve o uso do estrogênio por período maior que 7 anos a incidência do risco aumentou para 14 vezes (5, 6, 7). Na mesma década foi levantada a hipótese que o progesterona poderia anular os efeitos do estrogênio prevenindo o desenvolvimento da hiperplasia e câncer no endométrio. Assim, com a associação do progesterona ao estrogênio houve a mudança do termo Terapia de Reposição por Estrogênio para Terapia de Reposição Hormonal, conseguindo dessa forma continuidade para este conceito de tratamento e aproveitamento do mercado já criado.

 

Muitos estudos acharam um baixo risco da DCV nas mulheres que tomaram estrogênio na pós-menopausa, comparadas com as não usuárias. De acordo com Elizabeth Barret-Connor esses estudos foram de observação - não de testes clínicos – podendo sofrer tendências em sua maioria apresentando, falsamente, a elevação do benefício aparente da terapia hormonal. As mulheres que tomavam estrogênio nesses estudos tinham estilo de vida mais favorável, melhores níveis de diversos fatores de risco para a DCV e menos diabetes do que as mulheres não submetidas ao estrogênio. Portanto, alguns dos benefícios indicados para o estrogênio poderiam ser espúrios, refletindo “o efeito de uma mulher saudável”, em que a mulher para a qual foi prescrito o estrogênio tende a ser: a) mais educada e de classe social mais alta, propensa a comportamento saudável mais positivo, c) saudável, e d) mais complacente com a terapia hormonal que requer mulheres particularmente motivadas e dispostas a fazerem visitas regulares ao médico, tomar a medicação diária, e tolerar o sangramento uterino associado, além de outros efeitos colaterais. Também, que as mulheres doentes eram menos prováveis de receberem prescrição para o uso do estrogênio, pela sua contra-indicação nos casos de hipertensão, diabetes, e doenças cardiovasculares (4).

 

Três meta-análises, realizadas no início dos anos 90, sumarizam os achados desses estudos de observação relatando uma queda de 30 - 50% no risco de doenças cardiovasculares em usuários de estrogênio comparados com não usuários. Outros estudos de observação incluindo progesterona sintético encontraram uma queda no risco relativo da DCV muito similar ao estimado para o estrogênio isolado (4).

 

Há poucos anos atrás foram iniciados testes clínicos aleatórios e controlados para confirmar ou não os benefícios da terapia hormonal na prevenção cardiovascular, apontados nos diversos estudos de observação.

Entre eles estão:

 

1) Na prevenção secundária: (pacientes com DCV)

  • Estudo HERS, realizado nos EUA, envolvendo 2763 mulheres na pós-menopausa com idade média de 66.7 anos. Os autores concluem que, durante uma média de seguimento de 4.1 anos, o tratamento com estrogênio mais progesterona sintético não reduziu a taxa global de eventos cardiovasculares. Ao contrário ele aumentou a taxa de eventos tromboembólicos. No primeiro ano o risco de doença cardiovascular aumentou em 52% no grupo tratado ativamente (8).

  • Estudo ERA, realizado nos EUA, envolvendo 309 mulheres na pós-menopausa para avaliação através da cineangiocardiografia quanto à progressão da aterosclerose. Após uma média de 3.2 anos foi verificado que não houve diferenças significativas entre as mulheres tomando estrogênio isolado, tomando estrogênio associado ao progesterona sintético ou usando placebo.  Os autores concluem na publicação que nem o estrogênio isolado ou combinado com progesterona sintética afeta a progressão da aterosclerose coronária na mulher com DCV estabelecida (9).

Como resultado dos estudos HERS e ERA a Associação Americana do Coração recomendou em 2001 que a Terapia de Reposição Hormonal não seja iniciada para a prevenção secundária da doença cardiovascular (10).

 

2) Na prevenção primária: (pacientes saudáveis)

  • Estudo WHI, realizado nos EUA, envolvendo 16.800 mulheres na pós-menopausa, entre 50 – 79 anos, com 8506 tomando estrogênio associado a progesterona sintético, e 8102 tomando placebo. O objetivo fundamental era doença cardiovascular (enfarte miocárdico não fatal e óbito por DCV), e o câncer de mama como o principal efeito adverso. O WHI tinha uma duração prevista de 8.5 anos.

Em 31 de maio de 2002, após uma média de 5.2 anos de seguimento, o Conselho de Monitoramento e Segurança do Instituto Nacional de Sangue, Coração e Pulmão dos EUA recomendou paralisar o estudo do Women’s Health Iniciative porque os testes com estrogênio mais progesterona sintético excederam o limite máximo aceitável para resultados adversos no câncer de mama e de doença cardiovascular. O índice global estatístico indicou que os riscos superaram os benefícios, inclusive no risco crescente de DCV havendo um aumento significativo de: 26% no câncer de mama, de 29% em enfartes, de 41% nos acidentes vasculares cerebrais (derrames), do dobro da taxa de eventos tromboembólicos e de 22% nas doenças cardiovasculares (11).  

 

Também o Conselho de Pesquisa Médica do Reino Unido (MRC) resolveu suspender o estudo WISDOM, em outubro de 2002, três meses após o anúncio dos resultados do WHI, alegando razões éticas, práticas e científicas. O estudo WISDOM, da mesma forma que o WHI, planejava avaliar estrogênio mais progesterona sintético ou placebo na prevenção primária da DCV. O WHI tinha planos de recrutar até 22.000 mulheres na pós-menopausa tendo já sido recrutadas cerca de 5.000. O estudo teve seu início em 1999 e seu término previsto para 2016, o que foi antecipado (12).

 

Jacques E Rossouw, um dos autores do WHI pelo Instituto Nacional de Sangue, Coração e Pulmão americano, em comentário paralelo ao Estudo ESPRIT, publicado no Lancet – que também não encontrou benefícios da terapia hormonal na prevenção secundária da DCV – disse que “Por agora, a pesquisa deverá focar mais em evitar o risco cardiovascular do que achar benefícios. Os hormônios para a prevenção completaram o círculo.” (13).

 

O FDA, órgão americano que controla remédios e alimentos, baseado nos resultados do WHI, anunciou em 8 de janeiro de 2003 que os fabricantes de remédios que contenham unicamente estrogênio ou combinação de estrogênio com progesterona sintético, para o tratamento de sintomas associados com menopausa, precisam incluir um novo aviso nos rótulos. O aviso no rótulo precisa declarar que essas drogas podem aumentar o risco de enfarte, derrame, embolia e câncer no seio (18).

 

A sujeição das mulheres

 

Os resultados apontados nos trabalhos citados acima demonstram por si só como mais de uma geração de mulheres foi enganada e desinformada pelos interesses da indústria da Terapia de Reposição Hormonal por meio de uma propaganda incessante e condicionamento mental, uma verdadeira lavagem cerebral, convencendo-as a acreditar na menopausa como uma doença que requer tratamento, mesmo na ausência de sintomas.

 

Fátima Oliveira, secretária executiva da Rede Feminina de Saúde, comenta em artigo recente quanto aos resultados do WHI, destacando que os riscos da Terapia de Reposição Hormonal não são uma novidade. Demonstra sua insatisfação com os colegas médicos que por ignorância, ou porque crêem ser os únicos detentores de poder da vida e da morte e, como tal, usurpar o direito de saber e o poder de decidir das pessoas, negando-lhes informações cruciais. Referiu-se, também, as vultuosas somas de dinheiro que a indústria farmacêutica investe na mídia, leiga e cientifica, visando esquecimento e silêncio, mais que divulgação de resultados bons ou ruins de seus produtos, em especial dos que estão na praça e têm mercado cativo assegurado (14).

 

No artigo a Dra. Fátima Oliveira considera:

“A idéia da menopausa como uma doença e a sua medicalização é uma simbiose que precisa ser enfrentada sem medo. Há dados que confirmam os efeitos deletérios da abordagem médica da menopausa, estágio fisiológico da vida feminina, como uma doença que deve ser prevenida, tratada e banida! A TRH, utilizada há mais de duas décadas, é um procedimento que os estudos do gênero e feministas denominam de medicalização do corpo da mulher – instrumento de poder político que reflete a postura condenável de evitar a saúde e de promover a doença.”

 

De fato, a lavagem cerebral é tanta que colocou muitas mulheres estigmatizadas, inseguras e preconceituosas com relação a seu próprio corpo, tornando-as um mercado de cobaias, prontas para novas experiências.

 

Sobre o assunto a Dra. Christiane Northrup diz:

“A estratégia …é a de fazer as mulheres se sentirem menos confiantes nelas mesmas pois quanto mais alienadas se tornam, mais susceptíveis para serem seduzidas pelos remédios... Isto é, o mercado de massa da auto-alienação” (15).    

   

Aceitando-se esses pontos de vista, a TRH representa, na prática, a procura da escravatização da mulher, do seu corpo, de sua mente e de sua saúde para prosperar a doença, a indústria farmacêutica, laboratórios clínicos, médicos e todos os outros que dela se beneficiam financeiramente...

 

Sherrill Sellman, que trata em seu livro de 1996 quanto ao escândalo do uso das mulheres como ‘experimentos vivos’ por mais de 40 anos pela indústria médico/farmacêutica, afirma “A mulher recebe informações errôneas sobre seus hormônios, em detrimento de sua saúde, enquanto os fabricantes de medicamentos colhem enormes lucros à sua custa” (16).

 

Notas:

1) Não é intenção do presente artigo discutir sobre outras implicações e opções terapêuticas frente aos recentes estudos que indicam a descontinuação do uso de hormônios na prevenção cardiovascular. Sugerimos, nesse caso, ler a entrevista dada pela Dra. Christiane Northrup, onde ela responde a várias questões, tecendo comentários e opinando sobre os resultados do WHI e alternativas na TRH (17).

2) De outro lado, não podemos deixar de mencionar os estudos paralelos efetuados nos pacientes do WHI.. Um desses estudos encontrou que o uso de estrogênio mais progesterona sintético não teve efeitos significativos sobre a saúde geral, vitalidade, saúde mental, sintomas depressivos e satisfação sexual não sendo, assim, demonstrados benefícios clínicos significativos em termos de quaisquer resultados na qualidade de vida, especialmente em mulheres mais velhas, sem sintomas da menopausa (19, 20). Em outro foi demonstrado que o uso de  estrogênio mais progesterona sintético, em mulheres acima de 65 anos, dobrou o risco de demência, especialmente da doença de Alzheimer, comparativamente com pacientes tomando placebo (21, 22).   Essa combinação também pode em curto prazo aumentar as incidências de cânceres de mama, os quais são diagnosticados em um estágio mais avançado comparados com o uso de placebo. Em outro trabalho do WHI é sugerido que os resultados da combinação de progesterona com estrogênio podem estimular o crescimento do câncer de mama e tornar mais difícil seu diagnóstico (23). O Doutor Rowan T. Chlebowski, principal pesquisador desse último estudo, disse ao Jornal New York Times que "isso reforça os dados de câncer de mama e, pela primeira vez, gera nova preocupação relativa à razão risco/benefício do uso de curto prazo dessa terapia. Isso vai ser algo para as mulheres considerarem" (24).  

 

Bibliografia

1. Ivan Illich, Medical Nemesis, p  78, Pantheon Books, 1976. 

2. Coronary Drug Project Group, Initial findings leading to modifications of its research protocol. JAMA 1970: 226; 1303-13.

3. Coronary Drug Project Group, Findings leading to discontinuation of the 2.5 mg/day estrogen group. JAMA 1973: 214; 652-57.

4. Barret-Connor E, Grady D. Hormone replacement therapy, heart disease and other considerations, Annu. Rev. Public Health 1998: 19; 55-72.

5. Ziel HK, Finkle WD. Increased risk of endometrial carcinoma among users of conjugated estrogens. N Engl J Med 1975:293;1167-70.

6. Smith DC, Prentice R, Thompson DJ, Herrmann WL. Association of exogenous estrogen and endometrial carcinoma. N Engl J Med 1975:293;1164-7.

7. Ryan KJ. Editorial: Cancer risk and estrogen use in the menopause. N Engl J Med 1975:293;1199-200.

8. Hulley S et al, Randomized trial of estrogen plus progestin for secondary prevention of coronary heart disease in postmenopausal women. Heart and Estrogen/progestin Replacement Study (HERS) Research Group, JAMA, 1998: 280 (7); 605-13

9. Herrington DM et al Effects of estrogen replacement on the progression of coronary-artery atherosclerosis, N Engl J Med 2000: 342; 522-29

10. Hormone replacement therapy and cardiovascular disease – A statement for healthcare professionals from the American Heart Association, Circulation 2001: 104; 499 

11. Writing Group for the Women’s Health Initiative Investigators, Risks and benefits of estrogen plus progestin in healthy postmenopausal women – principal results from the Women’s  Health Initiative randomized controlled trial, JAMA, 2002: 288; 321-33

12. MRC stops study of long term use of HRT, 23/10/02, London - MRC press release

13. Rossouw Jacques, Hormones for coronary disease – full circle, The Lancet, 21 December 2002: 360; 9350

14. Fátima Oliveira, Reposição Hormonal - A imolação de mulheres na busca da eterna juventude, Observatório da Imprensa, 2002.

15. Citado por Robbins, John – Reclaiming Our Health (p 140), 1996, Kramer

16. Sherrill Sellman, Heresia Hormonal – A verdade mortal sobre o estrogênio, Texto traduzido para o português de artigo publicado na Nexus Magazine, Volume 3 - Nº 4, junho/julho, 1996, representando um resumo do livro”What women must know about their hormones”, da mesma autora.

17. Transcrição da entrevista de Christiane Northrup à WebMD Live de 10/07/02, intitulada HRT Panic? – Sorting Out the Facts.

18. FDA Approves New Labels for Estrogen and Estrogen with Progestin Therapies for Postmenopausal Woman Following Review of Women’s Health Initiative Data, FDA News, 08 de Janeiro de 2003.

19. Jenifer Hays et al, for the Women’s Health Investigators. Effects of Estrogen plus Progestin on Health –Related Quality of Life. Publicado em 17 de março de 2003 no www.nejm.org e com publicação no N Engl J Med 348;19 em 8 de maio de 2003.

20. Deborah Grady, Perspective, Postmenopausal Hormones – Therapy for Symptoms Only. Publicado em 18 de março de 2003 no www.nejm.org e com publicação no N Engl J Med 348;19 em 8 de maio de 2003

21. Effect of Estrogen plus progestin and the incidence of dementia and mild cognitive impairment in postmenopausal women. The Women's Health Initiative Memory Study: A randomized controlled teial, JAMA, 2003;289:2651-2662.

22. Effect of estrogen plus progestin on global cognitive function in postmenopausal women. The Women's Health Initiative Memory Study: A randomized controlled trial, JAMA, 2003;289:2663-2672.

23. Influence of estrogen plus progestin on breast cancer and mammography in healthy postmenopausal women, The Women's Health Initiative Randomized Trial, JAMA, 2003;289:3243-3253.

24. Denise Grady, New York Times, 06/25/03.

 

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