Instituto de Combate ao Enfarte do Miocárdio
A Descoberta dos Cardiotônicos Endógenos: História e Perspectivas
A Saga da Estrofantina e da Digital na Prevenção e Tratamento do Enfarte do Miocárdio e a Recente e Surpreendente Descoberta de Serem Hormônios Naturais do Organismo Humano.
1912 - O americano James Bryan Herrick foi o primeiro médico a empregar o cardiotônico - estrofantina ou digital - no enfarte agudo do miocárdio, por via hipodérmica ou endovenosa. Correlacionou o enfarte como conseqüência de trombose coronária. Acreditava que o emprego do cardiotônico, em tais casos, seria oportuno e poderia, ocasionalmente, salvar a vida. Referindo-se em 1944 a sua experiência inicial sobre a trombose coronária, Herrick admitiu que não fazia mais a apologia do uso do cardiotônico no enfarte agudo do miocárdio, sem apresentar qualquer justificativa para esta radical mudança de opinião. Louis Hamman, em 1926, compartilhou dos mesmos conceitos e entusiasmo de Herrick a respeito do uso dos cardiotônicos para o tratamento do enfarte agudo do miocárdio. Ele disse: "O paciente deverá ser prontamente e plenamente digitalizado … não só porque o coração estará melhor preparado para resistir a sobrecarga de certas arritmias se elas acontecerem, como também ele é estimulado a estender seus melhores esforços. Quão proveitosos os melhores esforços possam ser quando uma larga área do músculo cardíaco está enfartada, não precisa de comentário adicional" (1, 2, 15).
1934 - O médico alemão Ernst Edens, após usar durante 3 anos a estrofantina em injeções por via endovenosa na angina e no enfarte, em mais de 100 pacientes, referiu-a como uma benção divina. Edens partiu da idéia de que o fornecimento insatisfatório de sangue através das coronárias seria melhorado pelo tratamento com a estrofantina. Declarou que com o reconhecimento da estrofantina como a melhor e mais segura medicina para o enfarte do miocárdio não teríamos o direito de usá-la somente por razões científicas e testes, dando preferência para outros remédios e assim perdendo tempo precioso para a cura. Expressou também a opinião de que chegaria o momento no qual a omissão do uso da estrofantina seria vista como falha profissional. Ernst Edens, que era professor da Universidade de Duesseldorf, apresentou sua experiência clínica inicial com a estrofantina durante um congresso médico em Wiesbaden, realizado em 1931. Nessa ocasião colocou que tinha o enfarte do coração sob controle, não conseguindo explicar, entretanto, os exatos mecanismos da estrofantina no músculo cardíaco, e que agia no princípio: "Não importa se entendamos ou não. O que acontece aqui é que a estrofantina funciona e portanto precisamos usá-la!". Dos presentes ao congresso de Wiesbaden muito poucos se interessaram por suas experiências. Ao contrário, a maioria de seus colegas médicos reagiram com hostilidade, procurando abafá-lo como se fosse um intruso. A experiência prática de Edens e de seus pupilos (H. Zimmermann, 1935; Wagenfeld, 1936), no tratamento da angina e do enfarte através da estrofantina por via endovenosa, teve alguns seguidores até o final da década de 50 (3, 4, 5, 6, 7).
1947 - Berthold Kern, cardiologista de Sttutgart, Alemanha, utilizou-se da estrofantina-g via oral na profilaxia do enfarte, baseando-se em tese própria quanto a sua etiologia. Ele apontava que o baixo valor do pH, encontrado nas camadas internas do ventrículo esquerdo, seria a causa do enfarte. Isso acontecia, de acordo com Berthold Kern, devido a formação de ácido láctico em demasia, destruindo as células e gerando uma reação em cadeia como um incêndio em uma floresta e que só a estrofantina, por seu efeito de redução da acidez no músculo cardíaco, teria capacidade de frear esse processo. Através do uso de doses diárias da estrofantina-g via oral no tratamento profilático de 17.000 pacientes, durante o período de 1947-1971, obteve um reduzido número de enfartes (150 casos) e perto de zero óbitos relacionados à origem cardíaca. Berthold Kern foi literalmente executado, em concorrido simpósio realizado no final de 1971 em Heidelberg, sob a alegação de que a absorção gástrica da estrofantina administrada oralmente, era mínima e insuficiente para conseguir o efeito pretendido. Segundo seus opositores seriam necessárias doses bem maiores e que poderiam levar a intoxicação. Após essa época muito poucas pesquisas e discussões aconteceram no meio acadêmico sobre o uso da estrofantina-g oral, assim como ensinamentos e publicações a respeito, sendo na prática banida e tornada tabu pela medicina oficial. Os oponentes da estrofantina-g via oral estavam enganados pois ela é absorvida, também, pela glândula supra-renal, conforme observações mais recentes. Peter Schmidsberger, jornalista e médico austríaco, autor de diversos livros e ardoroso defensor do uso da estrofantina, teve diversos artigos publicados no Brasil durante o início da década de 70, pela revista Manchete. Nesses artigos ele descreveu os trabalhos que estavam sendo desenvolvidos na Alemanha sobre o uso da estrofantina-g via oral na profilaxia dos pacientes, por Berthold Kern e Manfred von Ardenne, de Dresden. Entre nós a paulista Helena Minin era uma entusiasmada pelo tratamento com a estrofantina-g oral, aplicando-a em seus pacientes cardíacos. Na Alemanha existem atualmente cerca de 5.000 médicos usando e prescrevendo a estrofantina oral. Pesquisa envolvendo 3.645 médicos que fizeram declarações sobre o uso desse remédio em suas práticas médicas de 1976 a 1983 mostrou que quase 95% deles deram, exclusivamente, testemunho positivo e sem qualquer reserva. Não houve nenhuma resposta negativa ao tratamento com estrofantina-g oral, pelo restante dos médicos que participaram da pesquisa (8, 9, 10, 11,12,13).
1950 - Ferdinand R. Schemm preconizou o uso livre de restrições a respeito da digital no tratamento do enfarte agudo do miocárdio. Ele usou a digital em 265 pacientes registrando uma mortalidade de 10%. Na prática ele percebeu que ao invés de quaisquer prejuízos ao miocárdio, o cardiotônico apresentou compatibilidade com o enfarte agudo do miocárdio, razão de saudáveis efeitos e baixa mortalidade. John Martin Askey, em 1951, aplicou a digital em 50 pacientes consecutivos com enfarte agudo do miocárdio. Citando os resultados conseguidos por Schemm com a digital refere que a profissão médica foi incapaz de tomar vantagem desse valioso remédio oferecendo o pensamento de Henry Thoreau: " Nunca é tarde demais para desistir de nossos preconceitos. Nenhuma forma de pensamento por mais que antiga, pode ser acreditada sem prova". Esta afirmação de Askey foi colocada durante apresentação de seus resultados quando apreciou os procedimentos experimentais e clínicos realizados naquela época. Da mesma forma demonstrou uma sadia apreensão frente à acomodação e desinteresse a respeito de um tema tão excitante. Norman H. Boyer, em 1955, disse que após uma experiência inesperada, mas feliz, usando a digital por via intravenosa, cessou seu medo sobre o uso da digital aplicando-a a partir desse momento em uma seqüência de 50 pacientes com enfarte agudo do miocárdio (15).
1972 - Quintiliano H. de Mesquita, chefe do Instituto de Angio-Cardiologia do Hospital Matarazzo em São Paulo, centro de excelência médica e Escola onde vinham médicos de diversas partes do País para estágio, desenvolveu uma nova explicação fisiopatológica que denominou como Teoria Miogênica, na qual o enfarte miocárdico está relacionado ao enfraquecimento do músculo cardíaco provocado pelo estresse físico ou psico-emocional. Segundo a Teoria Miogênica o cardiotônico representa o remédio fundamental e específico na prevenção e tratamento do enfarte . De 1972 a 1979 o professor Mesquita aplicou a estrofantina ou digital, através de injeções, por via endovenosa, em 1183 pacientes com enfarte agudo do miocárdio atendidos no Hospital Matarazzo, registrando uma mortalidade hospitalar global de 12%. Em 126 casos de angina instável, usando também a estrofantina endovenosa, evitou o enfarte e obteve uma mortalidade de 0% na fase hospitalar. A Sociedade Internacional de Combate ao Enfarte concedeu em 1975 o Prêmio de Tradição Ernst Edens à Quintiliano de Mesquita e sua equipe, pela forma e conceitos utilizados na prevenção e tratamento do enfarte através da estrofantina. O professor Mesquita, dentro de uma pregação missionária quanto a necessidade do emprego do cardiotônico como terapêutica insuperável, em todas as condições da coronário-miocardiopatia aguda ou crônica, utilizou durante 28 anos o tratamento através de digitálicos (via oral) na prevenção do enfarte de seus pacientes coronários, obtendo uma mortalidade anual total de apenas 0,5% nos casos sem enfarte prévio (994 casos) e de 1,4% nos casos com enfarte prévio (154 casos). Posteriormente a 1996 ele estendeu a seus pacientes idosos, sem manifestações clínicas e exames tidos como normais, a terapêutica preventiva anti-enfarte através da digital (via oral) em baixa posologia, por considerar o coração do idoso como vulnerável. A Teoria Miogênica e sua compatível indicação para o uso de cardiotônicos na prevenção e tratamento do enfarte tiveram uma acolhida bastante fria pela classe médica, além de um continuado silêncio que dura até os dias de hoje. Quanto a estrofantina ela foi retirada do arsenal terapêutico brasileiro, no início da década de 80 (14,15,16,17,18,19,20,21,22).
1980 - Reportagem da revista alemã Bunte sob o título "É assim que um brasileiro combate o enfarte", assinada por Peter Schmidsberger, relata sobre os resultados obtidos pelo Professor Mesquita no Brasil, informando que Rolf Dorhmann do Waldkrankenhauses em Berlin, Alemanha, conseguiu resultados similares aos do médico brasileiro aplicando o tratamento através da estrofantina endovenosa no enfarte agudo do miocárdio a partir de 1975. O Doutor Rolf Dorhmann utilizou, paralelamente, no período de 1977-1987, a estrofantina-g via oral em seus pacientes. Peter Schmidsberger já havia citado os trabalhos do Professor Mesquita com a estrofantina na angina instável e no enfarte agudo do miocárdio no seu livro publicado em 1975 (11,23,24).
1993 - Qiao DR, fazendo estudos hemodinâmicos antes e após o uso da digital no enfarte agudo do miocárdio observou que seu efeito benéfico é bem maior do que seu efeito adverso, concluindo que a digital pode ser seguramente e efetivamente usada no tratamento do enfarte agudo do miocárdio (65).
2003 - O alemão Rolf-Jürgen Petry lançou livro apresentando uma relação de 1380 estudos publicados sobre a estrofantina, os quais demonstraram, de forma inequívoca, que seu uso pode evitar o enfarte do miocárdio e reduzir a mortalidade. O livro foi prefaciado por Hans Schaefer, proeminente fisiologista, professor da Universidade de Heidelberg e autor do relatório "Enfarte do Coração - 2000" . No prefácio Hans Schaefer comenta que experimentou os efeitos milagrosos da estrofantina tanto na angina quanto na profilaxia do enfarte, durante os anos 50, quando praticava cardiologia. Lembra o espetacular simpósio acontecido em Heidelberg, que pareceu mais um tribunal do que uma discussão científica, onde houve o julgamento da estrofantina oral e de Berthold Kern. Disse também, no prefácio, que o livro de Rolf-Jürgen Petry procura reparar a injustiça da ciência com a estrofantina, e que novos estudos provavelmente serão realizados para tentar levantar provas de sua ineficácia, os quais, segundo ele, já estariam começando (24).
2006 - Carlos Monteiro, pesquisador independente e discípulo de Quintiliano H. de Mesquita, desenvolveu uma nova hipótese para explicar a etiologia e patogênese da aterosclerose. Sua teoria de que o ambiente ácido evocado por estresse crônico possa ser o mecanismo gerador das lesões ateroscleróticas, complementa a teoria miogênica do enfarte do miocárdio postulada por Quintiliano de Mesquita. No manuscrito sobre a teoria da acidez é mostrado que um benéfico efeito na morbidade e mortalidade através dos digitálicos e de outros glicosídeos cardíacos é conseguido nas baixas dosagens, mas não em dosagens maiores as quais são tradicionalmente tidas como terapêuticas. Mostra ainda evidências de que uma boa parte dos resultados benéficos na coronário-miocardiopatia são resultantes das propriedades simpático-inibidoras e de decréscimo na produção de ácido láctico, no tratamento com glicosídeos cardíacos. A seqüência de eventos de acordo com a teoria da acidez: I. Dominância simpática por estresse contínuo mais II. Deficiência na produção de componentes endógenos do tipo digital (digitalis-like compounds – DLCs) com alterações da atividade da Na(+), K(+)-ATPase resultando em: III. Redução no pH (acidez) o que aumenta a pressão de perfusão e provoca efeitos na contratilidade das artérias coronárias levando a mudanças na tensão tangencial hemodinâmica e aterosclerose como conseqüência. A versão em português da teoria da acidez na aterosclerose está publicada em http://www.infarctcombat.org/AcidityTheory-p.pdf
Os cardiotônicos endógenos
Fórmula da estrofantina-g /ouabaína (Similar a substância encontrada no organismo humano)
A estrofantina-g que é um veneno usado em flechas e retirado das plantas do Strophanthus Gratus (de mesma composição estrutural que a ouabaína retirada da árvore Ouabáio), foi isolada e identificada como uma constituinte do sangue humano, glândula supra-renal bovina e hipotálamo (26).
Outras substâncias com propriedades cardiotônicas de estrutura similar, entre elas a digital (e seus derivados digoxina e digitoxina), a Proscilaridina-A e o Marinobufagenin, tem sido isoladas de tecidos humanos e fluídos corporais (42,28,40).
Estudos têm sugerido que a desregulação da atividade da bomba sódio/potássio possa estar envolvida na patogênese de diversas doenças incluindo cardiovascular, neurológica, renal, hepática, psiquiátrica, desordens metabólicas, desordens depressivas, diabetes mellitus, câncer e acidentes vasculares cerebrais isquêmicos, com os esteróides cardiotônicos endógenos tendo uma importante participação no processo. Aparentemente a Na/K-ATPase é usada por esses esteróides como um transdutor de sinais para ativar a proliferação de tecidos, contratilidade cardíaca, hipertensão arterial, e natriurese via diversos caminhos sinalizantes intracelulares (28, 34, 53, 58, 59, 60, 61, 66, 67, 69, 72, 73, 76).
Alguns estudos mostraram que a estrofantina-g administrada por via oral ou parenteral é seletivamente absorvida pela glândula supra-renal, embora a absorção gástrica da ouabaína seja considerada somente de 3-5% da substância administrada (27). Outros estudos demonstraram que a ouabaína pode, em muito baixas dosagens (concentrações nanomoleculares), estimular a bomba sódio potássio (68).
Recentemente surgiram dados suportando o conceito de que o colesterol é o principal precursor dos componentes endógenos do tipo digital (digitalis-like) (62, 63).
Veja uma excelente revisão sobre o assunto no artigo "Endogenous and exogenous cardiac glycosides: their roles in hypertension, salt metabolism, and cell growth", por Wilhelm Schoner and Giorgios Scheiner-Bobis, publicada integralmente e de forma gratuita em Am J Physiol Cell 293: C509-C536, 2007
O aumento na produção dos glicosídeos cardíacos endógenos: Uma resposta compensatória?
Concentrações elevadas de ouabaína endógena têm sido encontradas em diversas condições como por exemplo no desbalanceamento de sódio, hipertensão, insuficiência renal crônica e insuficiência cardíaca congestiva, sendo levantada a hipótese no último caso, de que ela possa ser um importante fator homeostático nos seres humanos, como uma resposta fisiológica para a diminuição do débito cardíaco. Em estudo mais recente foi colocado que a ouabaína endógena é um marcador novo, independente, e de incremento, que prediz a progressão da insuficiência cardíaca (29,30,31,49).
Pesquisas feitas em ratos levantaram a hipótese correntemente aceita da ouabaína ser uma causa da hipertensão essencial em humanos. Entretanto, é interessante notar o que alguns estudos demonstraram: a) dieta sintética completamente sem glicosídeos cardíacos causa hipertensão em ratos o que é prevenido pela administração oral da ouabaína em muito baixa dosagem (44) b) Um dos estudos onde nos quais a ouabaína causou hipertensão em ratos mostrou, ao contrário, seus efeitos terapêuticos benéficos. Os ratos que receberam ouabaína não mostraram hipertrofia cardíaca como os ratos do grupo de controle, levando os autores, surpreendentemente, a dizer que a ouabaína, na verdade, pode ser cardioprotetora. Isto foi confirmado em estudo posterior (45, 75). c) Outros estudos feitos em ratos demonstraram que digitálicos podem normalizar a pressão sangüínea ainda que a concentração de ouabaína circulante permaneça elevada e também que, em adição aos possíveis efeitos baroreflexos arteriais, os digitálicos parecem agir centralmente para prevenir os efeitos pressores e de excitação simpática da ouabaína endógena ou exógena aumentada em sua atividade (46, 47). d) Aliás, diversos estudos incluindo animais e humanos demonstraram que o uso de glicosídeos cardíacos tais como a digoxina e a digitoxina podem levar a uma redução, pelo menos, da pressão sangüínea diastólica (77, 78, 79). e) Vale lembrar que a hipertensão, especialmente quando associada a dilatação cardíaca, era vista no início do século 20 como uma indicação para o uso contínuo da digital, como prevenção da insuficiência cardíaca (48).
A ouabaína endógena também é liberada durante exercícios físicos, sendo seu aumento de concentração no sangue rapidamente reversível, comportando-se como um hormônio de ação rápida (25, 32, 43).
Estudo clínico publicado em 2003 procurou determinar a incidência de pacientes com doença em estado crítico que mostraram substâncias imunoreativas endógenas do tipo digital e ouabaína. Os médicos participantes da pesquisa procuraram também examinar o relacionamento desses hormônios com as variáveis de rotina no laboratório, a doença fundamental, função miocárdica, estado hemodinâmico, severidade da doença, inflamação sistêmica, e taxa de mortalidade. Para isso analisaram o soro de 401 pacientes, não tratados com cardiotônicos, para verificar a concentração de digoxina, digitoxina e ouabaína endógena. Os valores normais da ouabaína endógena foram determinados em 62 voluntários sadios. Esse estudo demonstrou que a concentração no sangue dos diferentes tipos de cardiotônicos endógenos foi elevada em uma proporção significativa dos pacientes em estado crítico, além de estar associada ao aumento na morbidade e taxas de mortalidade. Acharam, ainda, que os digitálicos endógenos, mas não a ouabaína, poderiam estar relacionados com a função ventricular esquerda (33).
Estudo apresentado em 1991 demonstrou que o aumento na concentração de digoxina endógena (endogenous digoxin-like factor - EDLF) no sangue, foi 2,5 vezes maior em pacientes com enfarte agudo do miocárdio do que em um grupo de controle de pacientes normais (34). Em outro estudo clínico publicado em 1992, foi examinada a concentração da digital endógena no sangue e na urina em 65 pacientes com enfarte agudo do miocárdio, sendo verificado que essa concentração era muito mais alta do que em pacientes saudáveis. Os autores confirmaram que seus achados estão de acordo com dados de outros estudos publicados e que eles sugerem um papel da digital endógena na gênese patológica do enfarte do miocárdio (35,36). Pesquisa clínica publicada em 1994 mostrou aumento na concentração de EDLF no primeiro dia após o enfarte do miocárdio, e que a alta concentração de EDLF poderia estar associada ao desenvolvimento de arritmias ventriculares (37). Na avaliação de um grupo de pacientes com estenose coronária foi levantada a hipótese de que o aumento na atividade da digital endógena no sangue, no curso de um período de isquemia miocárdica, durante a angioplastia coronária transluminal percutânea, estaria relacionado com a redução no débito cardíaco e elevação das pressões cardíacas, podendo estimular a produção de um fator de significativa compensação inotrópica (38). As concentrações de digoxina peri-operatória também foram medidas em 20 pacientes adultos submetidos à cirurgia de ponte de safena. Nenhum dos pacientes tinha recebido tratamento com digoxina. A substância imunoreativa endógena do tipo digoxina, foi encontrada em 16 dos pacientes no pós-operatório (39).
O marinobufagenin, que é extraído do sapo venenoso Bufus Marinus, foi isolado da urina de pacientes com enfarte agudo do miocárdio em uma concentração maior do que a de um grupo de controle, o que levou os autores a considerarem que essa substância possa estar envolvida na gênese patológica do enfarte agudo do miocárdio (40). Outro estudo demonstrou a elevação progressiva da concentração do marinobufagenin, variando com a severidade da insuficiência cardíaca congestiva e correlacionando-se com a função sistólica do ventrículo esquerdo. Isto levou aos autores a hipótese do marinobufagenin ser um marcador da severidade da insuficiência cardíaca congestiva (41) .
Os efeitos do estresse sobre os componentes endógenos do tipo digital
Estudo relatou um aumento de cerca de 63% na concentração dos componentes digitalis-like no plasma em 9 pacientes saudáveis que se submeteram a exercícios vigorosos, os quais tiveram evidência eletrocardiográfica de disfunção cardíaca reversível, induzida pela exaustão física (51).
Os níveis de substâncias endógenas digitalis-like no sangue são também aumentados sob situações fisiológicas estressantes como por exemplo na gravidez e no parto, e em certas condições fisiopatológicas (hipertonia) (70).
Estressores do tipo opióide (imobilização, choque nos pés e natação forçada) provocam significativa elevação na digoxina endógena em ratos (71).
Outro estudo demonstrou que a produção dos componentes digitalis-like na supra-renal, no plasma e no hipotálamo pode ser marcantemente aumentada após o estresse agudo, e é diferentemente regulada em camundongos normais e sem pêlos (52).
Infelizmente, a relação entre o estresse e a produção endógena de substâncias do tipo digital tem sido pouco explorada em pesquisas experimentais e clínicas na área cardiovascular. Isto apesar de que a administração de baixas doses de glicosídeos cardíacos têm efeitos potenciais benéficos modulando efeitos por diminuir as respostas neurohumorais excessivas, melhorando sintomas, e protegendo contra a deterioração progressiva da disfunção cardíaca, podendo também ajudar na prevenção de síndromes coronárias agudas provocadas por estresse mental (54, 55, 56, 57, 58). Esta relação também está sendo pesquisada na área do câncer, onde o uso de glicosídeos cardíacos tem demonstrado propriedades de indução de apoptose e inibição da proliferação de células cancerígenas, resultando em baixa mortalidade por câncer (84, 91).
Para alguns autores a secreção de substâncias endógenas do tipo digital parece ser dependente do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) (74).
Notas: 1) Os esteróides cardiotônicos endógenos são também conhecidos como substâncias digitalis-like e hormônios natriuréticos. 2) O primeiro a postular a existência da digital endógena em mamíferos foi Ringer em 1885. Alberto Szent-Györgyi advogou idéia similar em 1953 (27). 3) Hugh de Wardener postulou em 1961 a existência de um hormônio natriurético que controlaria a homeostase de sódio, a qual seria secretada durante a liberação de sódio ou estados de expansão de volume plasmático (50). 4) Os glicosídeos cardiotônicos têm sido usados na medicina para o tratamento da insuficiência cardíaca há mais de 200 anos. Eles são divididos em 2 grupos - os cardenolídeos (ex: digital, estrofantina e ouabaína) e os bufadienolídeos (ex: proscilaridina-A e marinobufagenin). São extraídos das folhas, flores, plantas e sementes de várias famílias vegetais e de alguns anfíbios, especialmente sapos. Apresentam alta toxidade para os mamíferos, quando não diluídos apropriadamente ou dosados corretamente.
Estruturas de esteróides cardiotônicos endógenos isoladas de tecidos e fluídos corporais humanos
Veja também Referências 1. Herrick JB - Clinical features of sudden obstruction of the coronary arteries, JAMA, 59: 2015-2020, 1912 2. Herrick JB - An intimate account of my early experience with coronary thrombosis. Am Heart J 27: 1, 1944. 3. Ernst Edens - Die Strophanthin behandlung der Angina Pectoris, Munchener Medizinischen Wochenschrift, 81;1424, 1934 4. Bruno Kisch - Strophanthin, Clinical and experimental experiences of the past 25 years, Brooklin Medical Press, New York City, N. Y., 1944 5. Dante Pazzanese - A Estrofantina no tratamento da insuficiência cardíaca, Arq Bras Cardiol, Vol I, nº 1, Março 1948. 6. F. Anschutz und Y. Toker - Intersuchusen über die Wirksamkeit der Strophanthin_Behandlung beim Herzinfarkt mit der alternierenden Methode, Jg. 14, Heft 32; 7 August 1959. 7. Broder Clausen - Chronish Krank? Nein Danke! Erscheinungstermin, März 1997. 8. Berthold Kern, Der Myokard-Infarkt. Haug-Verlag, Heidelberg 1970. 9. 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