Cancer Instituto de Combate ao Enfarte do Miocárdio
Estudos mostram que os digitálicos (remédios cardíacos) inibem a proliferação de células, induzem a apoptose e reduzem a mortalidade por câncer
“Digital, um remédio dado por Deus” - Friedrich Ludwig Kreysig, 1814 (1)
Temos acompanhado atentamente as novidades e controvérsias quanto ao uso dos digitálicos e de outros glicosídeos cardíacos no tratamento e prevenção da doença cardíaca (2, 3, 4, 5).
Porém, foi somente a partir da publicação do trabalho de Quintiliano de Mesquita e Cláudio Baptista na Ars Cvrandi em 2002, que notamos nas estatísticas de mortalidade e morbidade, o baixo número de óbitos por câncer nos pacientes tratados com a digital.
Esse estudo de casos, realizado durante 28 anos, envolveu 1.150 pacientes com doença arterial coronária submetidos ao tratamento permanente através de doses diárias de digitálicos por via oral, no sentido de se prevenir a insuficiência cardíaca, a angina instável, o enfarte do miocárdio e a morte súbita. Foram empregados os seguintes glicosídeos cardíacos: Digitoxina, Digoxina, Acetildigoxina, Betametildigoxina, Proscilaridina-A e Lanatosideo-C, em dosagens terapêuticas não-tóxicas, relativamente baixas.
Como resultado houve uma baixa mortalidade global de 14,2% nos pacientes sem enfarte prévio (0,5% ao ano) e de 41% nos pacientes com enfarte prévio (1,4% ao ano). A mortalidade relacionada ao câncer foi de apenas 1,7% dos pacientes em todo o período de 28 anos (6, 7, 8).
Infelizmente, o achado surpreendente da baixa mortalidade por câncer nos pacientes tomando digital não pode ser devidamente explorado no trabalho de Mesquita e Baptista. Isto porque o câncer não era o seu foco principal e também por não ter havido um grupo de controle para essa finalidade. A comparação foi feita entre diferentes épocas de tratamento com e sem a digital, não havendo dados na publicação quanto a incidência de câncer nos pacientes não tratados com digital.
Assim, procuramos verificar qual a taxa de mortalidade por câncer encontrada em outros estudos apresentando população com idade e condições de risco cardíaco equivalente. Esta resposta nos foi fornecida pelo Heart Protection Study (HPS) (9), que envolveu 20.536 pacientes entre 40-80 anos com doença arterial coronária, outras doenças arteriais oclusivas ou diabetes. Esse estudo teve o objetivo de avaliar a eficácia da estatina (Simvastatina) na prevenção secundária de mortalidade e de eventos cardiovasculares fatais e não fatais. O HPS encontrou, tanto nos pacientes tomando estatinas quanto no grupo de controle tomando placebo, uma mortalidade média por câncer de cerca de 3,4% no período de 5 anos.
Na comparação dos resultados do estudo brasileiro com os do HPS, realizado na Inglaterra, pudemos perceber uma redução anual de quase 9 vezes na mortalidade em pacientes tomando digital contra aqueles pacientes tomando estatina ou placebo.
Começamos então a procurar se outros estudos já haviam notado os efeitos da digital sobre o câncer, verificando que esta relação já vem sendo investigada há tempos. Entretanto, apenas recentemente é que se comprovou de forma cabal e definitiva, as propriedades da digital como agente anti-cancerígeno.
Wayne Martin, conhecido articulista da Townsend Letter for Doctors and Patients, relatou que, quando estudante, seu instrutor na Escola de Medicina da Universidade de Purdue, em Indiana - EUA em 1932 , usando os arquivos da unidade cardíaca para fazer um levantamento entre os anos 1900-1930, nos pacientes cardíacos mantidos sob uso permanente de digitálicos, descobriu que, praticamente, nenhum deles havia falecido de câncer. Esse médico tentou, mas não conseguiu publicar sua pesquisa. Na Purdue o corpo docente insinuou que ele provavelmente estaria ficando demente, e esse médico logo compreendeu que, para manter seu cargo de instrutor, era melhor não falar de digitálicos e câncer (10, 14).
Em 1974 Bjorn Stenkvist, do Hospital da Universidade de Uppsala, Suécia, fez solicitação de verbas ao Instituto Nacional de Câncer dos Estados Unidos, para que pudesse conduzir um teste clínico dos efeitos terapêuticos da digital no carcinoma de mama. As verbas foram dadas, e o estudo realizado. Em 1980, seu grupo descobriu que os tumores nas pacientes sob medicação através da digital, desde a época do diagnóstico do câncer de mama, pareceram se desenvolver muito mais lentamente do que os tumores nas pacientes não submetidas a essa medicação. Os resultados, publicados em 1982, não eram simplesmente bons, eles eram maravilhosos. No estudo, as 44 pacientes com câncer de mama foram mantidas sob a digital, desde a época da cirurgia, até 5 anos após. Entre essas pacientes havia somente uma recorrência de câncer. O grupo de controle no teste consistia de 88 pacientes com câncer de mama as quais não tomaram digitálicos. Neste grupo houve 21 recorrências de câncer – isto é, 9.6 vezes maior. Em outras palavras, a digital reduziu a quantidade de cânceres em cerca de 90% (11).
Em 1984 Goldin e Safa, do Instituto Nacional de Câncer (NCI) de Bethesda, Maryland, confirmaram os resultados de Bjorn Stenkvist. Conduzindo um estudo retrospectivo em seus registros de 127 pacientes com câncer tomando digitálicos, de um total de 21 óbitos, eles acharam apenas um óbito por câncer (12).
Em 1998 Wayne Martin contou a Johan Haux, do Instituto de Pesquisas de Câncer e Biologia Molecular da Universidade Norueguesa, em Trondheim, sobre a história ocorrida nos anos 30 na Universidade de Purdue. Nessa época Johan Haux estava estudando sobre apoptose – morte celular programada – parecendo-lhe valioso explorar essa afirmação de forma experimental, no sentido de verificar os efeitos anti-câncer da digital.
Quando Haux aplicou a digitoxina (Digitalis purpúrea) e a digoxina (Digitalis lanata), glicosídeos cardíacos bastante comuns no uso clínico, em linhas de células leucêmicas, os efeitos foram impressionantes; acontecendo uma potente indução apoptótica. Isto ocorreu em concentrações plasmáticas da digital, iguais as de tratamento da doença cardíaca. Também interessante é que a alta proliferação das células normais não foi absolutamente afetada. A digitoxina foi muito mais potente do que a digoxina nas experimentações in vitro.
Johan Haux então resolveu entrar em contato com Stenkvist, que foi o primeiro a relatar sobre os efeitos anti-câncer da digital (digoxina em quase todos os casos), em mulheres operadas de câncer de mama. Quando Stenkvist viu a indução apoptótica conseguida por Johan Haux ele se sentiu encorajado a fazer uma re-análise das mulheres de seu estudo publicado em 1982 e ainda, passados vários anos, conseguiu detectar um efeito anti-cancerígeno (13).
Na verdade, conta Wayne Martin, não permitiram mais que Stenkvist tratasse pacientes com câncer de mama através da digital no Hospital da Universidade em Uppsala. Falaram a Stenkvist que nenhum paciente com câncer de mama deveria ser privado do grande beneficio da quimioterapia e Tamoxifeno. Ele ainda tentou sem sucesso interessar as principais companhias farmacêuticas com relação a digital no tratamento do câncer de mama. Todas as empresas farmacêuticas que ele abordou não mostraram interesse sobre um antigo remédio que não podia ser patenteado e que custava 17 centavos por dia de tratamento (10).
Johan Haux também encontrou dificuldades na publicação de seus trabalhos. O primeiro relato ao jornal médico Cancer Research, foi rejeitado. A reação inicial da medicina convencional para a sugestão de que a digoxina poderia ser um remédio contra o câncer foi encarada como ridícula. Ele então mandou o relato para o British Journal of Cancer. Em sua submissão Haux somente reivindicou que, em uma concentração inofensiva para humanos, a digitoxina inibiria células Jurkat. Novamente o trabalho foi recusado. Seu estudo foi finalmente publicado em 1999 no Jornal Alemão de Oncologia (10, 14, 15, 16).
Em subseqüente estudo Haux examinou diferentes linhas de células cancerígenas demonstrando que a digitoxina é um potente inibidor de proliferação e indutor de apoptose em vários tipos de câncer (17).
Em 2000 Johan Haux publicou novo estudo sobre a indução de apoptose em células do câncer da próstata (18). Esses achados foram confirmados por estudos desenvolvidos por médicos do Anderson Cancer Center, que utilizaram um extrato patenteado do Oleandro (Anvirzel). O Oleandro (Nerium oleander) contem o glicosídeo cardíaco oleandrina, que é muito similar na estrutura química a digitoxina (19).
Em outro estudo Haux e colegas investigaram se os pacientes cardíacos tomando digitoxina tiveram uma diferente incidência de câncer se comparados com a população em geral. Eles utilizaram arquivos de dados mostrando a concentração de digitoxina no plasma em 9271 pacientes com doença cardíaca, para definir uma população de usuários, com idade e sexo ajustado ao grupo de controle do Registro Norueguês de Câncer. O objetivo foi o de calcular o número de casos de câncer que se poderia esperar. Uma análise interna da dose-resposta nestes dados revelou relação entre uma alta concentração de digitoxina no plasma e um baixo risco de leucemia/linfoma e para cânceres renal/trato urinário (25).
Recentemente foi publicada uma extraordinária hipótese colocando que alterações no metabolismo dos componentes endógenos do tipo digital e suas interações com a bomba sódio/potássio (Na/K-ATPase), poderiam estar associadas ao desenvolvimento de cânceres. Essa hipótese é inteiramente compatível com a idéia da digital ser a "insulina" para o câncer (4, 20, 28, 29). Weidemann descobriu que a maioria (73.6%) das pacientes com cancer de mama (n=84) expressaram baixas concentrações de DLC no plasma (20).
Talvez a atual falta de interesse quanto ao uso dos digitálicos como agentes anti-câncer comece a mudar após a recente descoberta nos EUA de uma nova técnica para manipulação da estrutura das moléculas desses glicosídeos cardíacos, de forma a aumentar suas capacidades no combate as células cancerígenas. Essa técnica, denominada de neoglicorandomização, poderá também ser aplicada a outras pesquisas de remédios para diferentes doenças (21).
A técnica de neoglicorandomização certamente irá despertar o interesse das indústrias farmacêuticas em financiar pesquisas clínicas e de manipulação da composição molecular dos digitálicos, pois agora será possível patentear as novas fórmulas, o que não era factível anteriormente. Sem dúvida nenhuma ela afetará profundamente a investigação de novos remédios no futuro, com a “redescoberta” dos digitálicos para o combate ao câncer e a doença cardíaca.
Paralelamente, tem acontecido nos EUA a solicitação de diversas patentes relacionadas ao uso de glicosídeos cardíacos (digoxina, digitoxina, oleandrina, ouabaína, etc) se aplicados na prevenção e tratamento do câncer, inclusive quando em conjunto com outros métodos (23, 27).
Enquanto isso continuam a surgir novos resultados de pesquisas confirmando as propriedades dos digitálicos como agentes anti-cancerígenos (22, 24, 26).
Notas: 1) Hormônios do stress e câncer Recentes estudos acharam um forte vínculo entre hormônios do estresse e um crescente aumento na freqüência de câncer. Isto pode parcialmente explicar a eficácia dos digitálicos e de outros glicosídeos cardíacos, através do bloqueio na liberação excessiva da noradrenalina durante situações de estresse, no tratamento do câncer (30, 31, 32, 33). 2) Ácido láctico, glicosídeos cardíacos e câncer O alemão Otto Warburg, PH.D, prêmio Nobel de medicina em 1931, foi o primeiro a descobrir que as células de câncer tem uma fundamental diferença no metabolismo energético comparada com as células saudáveis. O ponto principal de sua tese para o Nobel foi de que os tumores malignos freqüentemente exibem um aumento na glicose anaeróbica -- um processo onde glicose é usada pelas células cancerígenas como um combustível, com o ácido láctico como um subproduto -- comparado com as células normais. O largo montante de ácido láctico produzido pela fermentação de glicose das células cancerígenas é então transportada para o fígado (34).. Essa conversão de glicose em lactato cria um pH ácido nos tecidos cancerígenos, descoberta feita por Manfred von Ardenne em 1966 (35). É interessante notar que os glicosídeos cardíacos podem re-elevar um pH reduzido por impedir a produção elevada de ácido láctico (36). 3) Estudos clínicos em progresso a. Envolvimento dos componentes endógenos do tipo digital no câncer de mama, Heidrun Weidemann et al. Abril 4, 2006 publicado em: http://www.clinicaltrials.gov/ct/show/NCT00310882 b. Erlotinib (Tarceva) mais Digoxina em carcinoma de células não pequenas de pulmão, Goetz H Kloecke et al. Janeiro 23, 2006 publicado em: http://www.clinicaltrials.gov/ct/show/NCT00281021?order=1 c. Estudo piloto fase II de digitoxina com relação ao câncer de próstata, J Haux et al. Março 2007. publicado em http://www.fou.nu/is/sverige/document/2151
Veja também Referências
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