Instituto de Combate ao Enfarte do Miocárdio

 


 

Transplante Usa Células da Perna no Coração

 

O Estado de São Paulo, 18/10/00 – Reportagem de Luciana Miranda

 

Estava acabando de escrever trabalho sobre a prevenção das síndromes coronárias agudas com o emprego do cardiotônico nos grupos de casos com e sem enfarte prévio, tratados durante o período de 28 anos (1972-00), quando me chegou às mãos o artigo "Transplante Usa Células da Perna no Coração" publicado no Jornal O Estado de São Paulo de 18/10/00, em reportagem de Luciana Miranda que apresentamos a seguir:

 

“Cientistas anunciam hoje a cirurgia feita na França com um paciente enfartado”

 

"Cientistas da França, entre eles um brasileiro de Curitiba, anunciam hoje a realização do primeiro transplante em seres humanos de células musculares da perna para o coração.

O objetivo da técnica, ainda em fase experimental, é fazer com que a região do coração atingida por enfarte volte a funcionar.

Nos próximos meses, mais oito pacientes devem passar pelo procedimento. Não há previsão de quando a técnica estará comprovada e disponível.

O paciente submetido à técnica é um francês de 68 anos. Operado em junho, a região cardíaca que antes estava morta, já se movimenta e possui tecido vivo. “No entanto, ainda não sabemos se esse efeito é duradouro”, explica Marcio Scorsin, pesquisador brasileiro da equipe do Hospital Bichat-Claude Bernard, em Paris.

O transplante de células foi testado em ratos e carneiros, mas os animais foram acompanhados por apenas um ano. Para o cardiologista José Eduardo Krieger, diretor do Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular do Instituto do Coração (Incor), mesmo tratando-se de técnica experimental, o anúncio é importante porque amplia as perspectivas terapêuticas para lidar com insuficiência cardíaca.

Em um procedimento que dura apenas dez minutos, com anestesia local, as células para transplante são retiradas do lado de fora da coxa do paciente. Chamadas de mioblastos, são células embrionárias dos músculos esqueléticos (aqueles que ficam presos aos ossos), responsáveis pela regeneração desse tecido.

Depois de retirados, os mioblastos são estimulados em laboratório, durante cerca de 15 dias, para que se multipliquem.

O transplante é feito por meio de cirurgia – 800 milhões de mioblastos são injetados em vários pontos da região morta do coração, atingida por um enfarte. “Apesar de não serem células cardíacas, os mioblastos reformam a fibra muscular do coração”, afirma Scorsin, adiantando que há planos para, no futuro, injetar as células por cateter.

Tratamentos – Comprovada a segurança e a eficiência do transplante de mioblastos, a técnica pode ser uma alternativa para evitar que pacientes enfartados desenvolvam insuficiência cardíaca e, portanto, precisem de transplante do coração.

Depois de um enfarte, o coração tende a se dilatar e perder sua função. Nos casos mais graves, a solução é transplantar o órgão todo. A terapia celular – técnica que usa células para recolonizar áreas que estão necrosadas – existe desde o fim dos anos 50. Segundo Krieger, há vários estudos parecidos em desenvolvimento no mundo e todos tentam fazer com que o coração doente volte a funcionar bem. “A diversidade é positiva, pois para cada paciente pode ser melhor um ou outro tratamento”, completa Krieger."

 

Registramos trabalho semelhante com a participação do Dr. Scorsin na Revista Arch Mal Coeur Vaiss, 1998 Nov, 91 (11): 1429-35.

 

Despertou-me o mesmo interesse e entusiasmo de quando li pela primeira vez referências à Ventriculectomia parcial, da autoria de Randas Vilela Batista, ilustre mineiro radicado no Paraná e agora mais um dessa terra muito promissora, despertando novos horizontes para a Cardiologia.  Sobre o primeiro, escrevi o artigo “Médico brasileiro cria cirurgia que pode evitar o transplante cardíaco” (1). Havia me identificado com o Randas Vilela Batista, recordando-me da operação do 1º caso de Aneurismectomia ventricular pós-enfarte, proposta por mim e operado por Charles P. Bailey, no Hahnemann Hospital de Philadelphia em Abril de 1954, com a imediata correção da irredutível insuficiência cardíaca.  

 

O atual estudo diz respeito aos efeitos do transplante de células musculares da coxa na região residual do enfarte miocárdico, procurando assim reviabilizar o segmento miocárdico estruturalmente comprometido pelo enfarte recente e acredito no sucesso já observado no primeiro caso, porque o material transplantado será bem recebido e beneficiado pela própria circulação coronária colateral através do processo de angiogênese natural.

 

Acreditamos que a nova metodologia proposta pelos cardiologistas do Hospital Bichat-Claude Bernard, de Paris, dirigida à prevenção da Insuficiência Cardíaca, como bem comentou o nobre cardiologista José Eduardo Krieger. Também achamos importante tal colocação porque de nossa experiência clínica sobre o confronto de casos de coronário-miocardiopatia estável com enfarte prévio, tratados sem e com cardiotônico, registramos respectivamente a incidência em 45,3% e 13,1% dos casos, durante períodos distintos de 17 anos.

 

Entretanto, para nós que elaboramos em 1972 a Teoria Miogênica do Enfarte Miocárdico com novos conceitos de Fisiopatologia e Terapêutica, o trabalho francês com a participação do patrício Scorsin, quer nos parecer que poderá ser aplicado na indicação do pós enfarte, mas também e especialmente ainda no estágio da estabilidade da coronário-miocardiopatia em que a disfunção miocardica regional é identificada pela presença de regiões ventriculares hipocinéticas, discinéticas e acinéticas coronárias dependentes que geralmente evoluem ao longo do tempo para a instalação da instabilidade miocárdica e sintomática representada pela angina instável, enfarte miocárdico sem onda Q e com onda Q e/ou insuficiência cardíaca.

 

Acreditamos portanto que o transplante de fibras musculares recomendado pelos franceses pode ter assim sua indicação ampliada segundo os conceitos da Teoria Miogênica que preconiza o cardiotônico + dilatador coronário + inibidor da ECA como prevenção do enfarte e insuficiência cardíaca, a longo prazo, na angina estável; na imediata sustação da angina instável com mortalidade zero; e sustação do Quadro Clínico Enfartante com registro de enfarte evitado em 20%, QCE-sustado em 47% e QCE-enfartado mas atenuado em 33% dos 1290 casos tratados no período de 1972-79, com mortalidade de 12,3%.

 

Em nosso estudo concluído agora com a conduta terapêutica referida na coronário-miocárdiopatia estável sem e com enfarte prévio (2), registramos de 1972-00 (28 anos) os seguintes resultados: 994 casos sem enfarte-prévio mostraram os seguintes índices de Morbidade: EM: 1,4%, IC: 3,6%; com Mortalidade de 14,2%; sendo a idade média no óbito de 76 anos: em 156 casos com enfarte prévio observamos: Morbidade com re-EM em 5,1% e IC: 10,8%; sendo a Mortalidade de 41% e a idade média no momento do óbito de 72 anos.

 

Em nossa longa pesquisa com os casos de coronário-miocardiopatia a nossa conduta terapêutica clínica referida acima é essencialmente complementada pela providencial participação espontânea e automática da circulação coronária colateral em contínuo processo de aperfeiçoamento.    

 

Quintiliano H. de Mesquita, Cardiologista

 

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